quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Manhattan, 1979


Com o passar do tempo, percebo que minha escrita vem mudando, assim como surgem algumas necessidades minhas, explorar áreas do cinema que, até então, eu tinha muito receio de abordar e, um deles, vou tentar hoje. Eu já escrevi um singela homenagem ao meu ídolo e mestre Woody Allen ( clique aqui ) porém, nunca havia escrito sobre algum de seus filmes. Para ser sincero, não me acho capaz de analisar nada que venha dele, pois eu amo tudo, principalmente os detalhes, então imediatamente após escrever esse texto eu certamente vou ficar irritado por esquecer de alguma coisa, portanto vou escrever e postar rápido.

Conheci Woody Allen bem novo e, impressionantemente, passou a existir mais um jovem de 14/15 anos que tem como inspiração um senhor de 60/70. Acho que diminuo as coisas relacionando-o à inspiração, pois antes disso, eu tive o pleno sentimento de identificação, até então eu não tinha vivido o suficiente, amorosamente falando, para isso acontecer, só sei que aconteceu, muito por conta do diálogo. O cinema começa mudo, depois vem a fala, mas com o Woody Allen o diálogo é elevado ao último degrau, eu me identifiquei logo com o pessimismo, a simplicidade ou até mesmo as referências, não me considero uma pessoa cult, formal ou tão entendida como Woody, por exemplo, mas eu aprecio uma conversa repleta de referências, seja ela qual for, aquela conversa que vai embora, passa rápido, entre sorrisos e desabafos e nunca parece enjoar. A maioria dos meus relacionamentos - conturbados - se estruturam em base a amizade. Inclusive eu brinco com algumas amigas que, se por acaso eu estragar tudo, é porque eu me apaixonei. Isso sempre acontece, sempre acabo conhecendo muito bem a pessoa antes do sentimento que passarei a ter por ela, mas até lá as classificações vão caminhando e, quando vejo, estou encantado. Bem, preciso de muito diálogo. Sinto que se alguém não entender o meu amor/vício por cinema, por exemplo, estaremos automaticamente fadados ao fracasso. Só precisa entender, pois o gosto a gente vai colocando com o tempo.

Woody Allen ultrapassa a linha, ao meu ver, de bom diretor, ator, ou gênio do cinema. Ele é um homem, um artista completo. Não possui fãs, ele possui seguidores, esses seguidores não só assistem como são ele. Precisam das ideias dele para se certificar que não estão loucos. Ou seja, se um seguidor do Woody se relaciona com uma seguidora, deve acontecer algum tipo de mágica. Para o  bem ou mal mas, sem dúvida, deve render muita compreensão. E é exatamente essa a dificuldade de escrever sobre Woody Allen, até agora eu nem comecei as primeiras linhas sobre o filme que comentarei. 

Ele começou sua carreira como comediante, escrevia centenas de piadas para a rádio e, após conhecer Diane Keaton, acontece uma mágica: ele passa a escrever com os olhos de uma mulher. É perceptível a mudança, parece que os dois se divertem em cena, como se todo o conteúdo do filme fosse uma grande conversa que eles tiveram no dia anterior. Estou falando isso porque, igualmente, Allen não é ator, ele é o carinha dos seus filmes e o carinha do filme é o senhor que dá entrevistas. As piadas surgem do nada, os trejeitos, tudo. Diane Keaton é o símbolo dessa fase onde Allen assume o que realmente é, primeiramente um neurótico e, por isso, engraçado. Não ao contrário, como fazia no começo da carreira.


"Manhattan", de 1979 - se você chegou até aqui imagino que sabe ao menos a sinopse - é um filme que me machuca muito. Uma dor que honestamente não sei o motivo. Tento traçar algumas observações do porquê mexe tanto comigo, me vêm a Tracy na cabeça, mas certamente não é só por isso. Poxa, temos um personagem de quase 50 anos namorando uma de 17, mas muito mais do que idade, estamos falando de diferenças, e diferenças existe em todos os casos. Isaac Davis não leva Tracy a sério, está com ela pois é da vida querer estar com alguém, se torna ainda mais confortante quando, pelo motivo de ter 17 anos, você acredite que será fácil se despedir. Pois a pequena menina precisa conhecer o mundo e, então, caberá ao maduro da relação(?) usar isso como desculpa. O quanto é preciso usar desculpas não é? Apaixonamos errado o tempo todo, trocamos muito, talvez ninguém seja feliz amando apenas uma vez, como diria o grande Raul Seixas. 

Não vejo "Manhattan" como continuação do "Annie Hall, como alguns dizem, se fosse assim, haveria uma série de 80 filmes, bem, talvez seja todos sequências mesmo. As reviravoltas do amor, os erros, se fazem tão presentes que acabam, por si só, construindo um público, aqueles que se identificam com os diversos questionamentos que o fim da relação - principalmente - traz. Estamos todos amarrados em redes onde o egocentrismo se faz muito presente. Precisamos do outro para viver, o outro precisa do outro, pois já viveu com outro e sabe que esse atual não é como o que poderia ser. Mas o que era bom se foi, então você tem que decidir se continua com um confortável - mas não o melhor que experimentou - ou procura um outro. Esse outro pode não ser melhor que o que está e assim consecutivamente.

Detalhes. Primeiras cenas temos o Isaac tentando escrever sobre Nova Iorque. Claro, enquanto isso temos lindas imagens da cidade em preto e branco, quase tão lindas que se sobressaem as inúmeras tentativas do personagem colocar em palavras a importância que aquela cidade tem na sua vida. Ao fundo temos uma trilha sonora leve, nos remetendo diretamente ao Charles Chaplin.

Capítulo um: Ele adorava Nova York. Ele a idolatrava em excesso. Bem, vamos dizer que ele a romantizava em excesso. Para ele, não importa a estação, a cidade ainda existia em preto e branco e pulsava ao som de Geoge Gershwin. Não, deixe-me começar novamente.
Capítulo um: Ele era romântico demais, em relação a Manhattan como era com tudo mais. Ele adorava estar no meio da multidão e do tráfego, para ele, New york significava mulheres bonitas e homens inteligentes, que pareciam saber de tudo. Não, ficou melodramático demais para o meu gosto. Vou tentar aprofundar mais.
Capítulo um: Ele adorava New York, para ele a cidade era uma metáfora, da decadência da cultura contemporânea a mesma falta de integridade individual que conduzia as pessoas a procurar a saída mais fácil rapidamente transformava a cidade dos seus sonhos em... não, vai parecer sermão. Vou querer vender esse livro.
Capítulo um: Ele adorava New York embora fosse para ele uma metáfora da decadência da cultura atual. Como era difícil viver em uma sociedade anulada pelas drogas, música alta, televisão, crime, lixo? Muito inflamado, não quero parecer isso.
Capitulo um: Ele era duro e romântico assim como a cidade que ele amava, por trás dos óculos pretos estava a potência sexual de um gato selvagem. Adorei essa. A cidade era dele e sempre seria. 

Vemos nesse pensamento inicial que mesmo idolatrando a cidade a qual pertence, ele só consegue finalizar a sua linha criativa quando mistura a mesma consigo próprio. Partindo de uma união entre ambos para explicar não só o seu amor pela cidade, quanto para já se caracterizar. É o velho personagem, refazendo seus gostos, se encontrando em uma mesma situação, só que ao inverso. Enfim, é o que sempre acontece, a vida. O personagem ser escritor, assim como a maioria dos personagens principais, só demonstram a metáfora de grandes deuses, arcando com a responsabilidade de suas próprias escolhas, como se trata da dura realidade amorosa, escolhas imperfeitas mas, se pensarmos bem, será que há mesmo uma escolha certa?

Passamos então para a apresentação de quatro personagens: Isaac Davis ( interpretado pelo Woody ), Tracy ( Mariel Hemingway, cujo papel lhe rendeu uma indicação a atriz coadjuvante ), Yale ( Michael Murphy ) e Anne ( Byrne Hoffman Emily ). Os dois primeiros um casal incomum, o segundo mais comum impossível. Aliás, até traição está acontecendo por parte do yale. Na apresentação desses personagens temos já um dos melhores diálogos, começando pela piada envolvendo o cigarro, do qual Isaak afirma que não sabe tragar porém fica realmente muito lindo segurando um na mão. Tracy fica meio irritada, pede licença, surge o comentário do amigo Yale dizendo que ela é linda, Isaak responde:

- Mas só tem 17. Eu tenho 42 e ela 17. Sou mais velho que o pai dela, dá para acreditar? É a primeira vez que esse fenômeno acontece na minha vida.

Esse filme é tem como tema principal o amor de um homem velho com uma menina. Pode existir outros diversos casos e questões, como a ex-mulher ou a amante do amigo Mary ( Diane ), mas o foco realmente é esse. Essa primeira cena explica muita coisa, pois o personagem ignora o fato dela ser linda, como o amigo afirma, se preocupando em deixar claro que não tem como haver nada sério ali. Algo como se a consciência estivesse gritando o tempo todo, mesmo que bêbado. A menina, por sua vez, é quase tão madura quando o próprio homem, criando, assim, um enorme problema, pois a mesma se vê em condições, mesmo que Isaak tente se colocar para ela apenas como um sábio, que a guiará no presente para, enfim, poder desfrutar do futuro. Ele a recusa no agora e ainda, sem querer, tem pretensões arrogantes, do tipo "aprenda comigo, mas não se preocupe, deixe-me um dia". Não há julgamento, nem por parte do espectador, nem os personagens do filme, apesar que a Mary tira um sarro dele quando descobre que a menina tem 17 anos dizendo "Nabokov deve estar rindo em algum lugar, não é? Enfim a menina se mostra apaixonada, Isaak a conforta passando a imagem de um atalho, mas será que essa tentativa de se esquivar da responsabilidade, essa tentativa de proteger a menina não acaba virando um machucar grande? Para mim, essa atitude a agride muito e, pensando bem, deve ser justamente esse ponto que mais me identifico, essa ânsia por se considerar atalho para o outro, te transforma em alguém pessimista para com o tempo, você necessita explicar que possivelmente não durará o quanto imagina, mas as pessoas precisam sentir que será eterno, caso o contrário, nem começariam.


O breve relacionamento de Isaak com Mary também resulta em ótimos momentos, a começar que ele vive dizendo que ela pensa demais, usa o cérebro com demasia, enquanto o próprio também o faz com perfeição. Ou seja, o sujo falando do mal lavado. Em uma das conversas ele afirma que ela deveria conhecer alguém burro para, quem sabe, aprender algo, é basicamente isso que acontece. Ela não precisa de alguém igual a ela, em termos intelectuais, ela está cansada de gênios, eles não a satisfazem mais, como um dia foi, ela própria diz que o seu primeiro marido era um avassalador na cama, e quando finalmente o vemos, é perceptível que ele foge dos padrões de beleza, ou seja, ela estava no auge de uma necessidade diferente, por isso se encontra em um relacionamento proibido com um homem casado, quer algo mais desprendido que isso? De todos os personagens ela é mais problemática, prova disso é que seu analista, o querido Donny, não soa muito bem. O fato é que esse relacionamento se fez através de encontros inesperados e, consecutivamente, forçados, mesmo que contraditório, então cabe a Isaak, em um passeio de barco, colocar a mão na água e, depois, reparar que a mesma está repleta de lodo, simbolizando a situação daquela relação e, ainda por cima, uma crítica a própria cidade. Coisa de gênio.


Diferentemente de outros filmes, a piada aqui surge em momentos oportunos como o "eu tenho dinheiro para viver por um ano... se eu viver como Gandhi." mas não o vejo como uma comédia, pelo contrário, uma profundidade sem tamanho que, unido a fotografia e ótimo roteiro, tudo se torna sim um pouco mais leve. Cenas como o passeio de Isaak e Tracy na carruagem em que, após um beijo, ele fala que ela é a resposta de Deus a jó, ou quando Isaak vai contar para ela que está se envolvendo com alguém mais velho, ela vira para ele e ele fala "não me encare com esses olhos grandes está parecendo crianças carente precisando dos pais" entraram para a história como uma das melhores, sendo a segunda uma ousadia sem tamanho, pois, realmente, se trata de uma criança que precisa sim dos pais. Mexendo em uma ferida grande, principalmente aos olhos dos mais conservadores.

No fim, quando depois da sua aventura, ora bolas, com uma mulher mais madura - algo que parece totalmente ao contrário, é mais comum as aventuras serem com jovens - ele percebe que a única que mexeu com ele de uma forma verdadeira é a menos provável. A criança. Sai correndo em direção dela, que por sua vez está de partida para Londres. Tudo o que ele havia dito, sobre experiências ou sobre ser visto como atalho, foi jogado no lixo. Ela era um atalho para ele se encontrar, mais irônico que isso impossível. Ele se desespera como uma crianças precisando dos pais, o mesmo brinca com isso pedindo para a menina parar de ser madura, fica aflito pois serão seis meses sem se verem e, nesse tempo, poderá conhecer alguém mais interessante... ela olha para ele e diz que "nem todos se corrompem" e, finalizando essa obra de arte, continua com "você tem que ter mais fé nas pessoas". Woody Allen, não Isaak agora, não mais, fica sem graça e dá um leve sorriso. É sorriso de aceitação, do tipo "é, você tem mais que razão e é por isso que estou fazendo esse filme", é de tamanha importância e impacto no meu coração, tanto quanto Charles Chaplin sorrindo no final de "Luzes da Cidade". Amores, sentimentos, nunca nos sentiremos totalmente seguros, improvável ter fé, mesmo que seja necessário ter, para continuar vivendo confortavelmente. Quantas oportunidades desperdiçadas, quantas pessoas se foram por arrogância, quantas outras virão e perceberão, que somos/sou só uma pessoa tentando me entender. Uma pessoa imperfeita, buscando me encaixar em outras imperfeições, ser aceito e receber carinho, pois, só assim, em meio a distância da idade, discrepância de desejos, seremos parte de um outro, seremos um. Estaremos a espera da nossa criança, assim como criança. Pois não há julgamento de valor quando se ama, não há cérebro que vença a batalha, pois essa habita o coração, esse lugar hostil, repleto de promessas e afeições.

"Fatos? Eu tenho um milhão de fatos na ponta dos dedos!"
"Pois é, e eles não significam nada não é? Porquê nada que vale a pena saber pode ser entendido com a mente."


2 comentários:

  1. Adoro a maioria dos filmes do Allen. E parabéns pelo teu escrito.

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  2. Belíssima crítica mesmo, também sou mais um dos caso de menino de 15 anos que ama este senhor de 70 e tanto, mas o legal dele é isso, não envelhece, seus filmes ficaram sempre imortalizados no tempo.

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