domingo, 20 de abril de 2014

Clube dos Cinco - Parte 2


Antes de ler sobre o filme, seria interessante você ler a primeira parte do texto nesse link.

Como está sendo difícil escrever sobre esse filme. Meu coração fica apertado só de pensar em como começar. Portanto, não me sinto preparado para destacar as centenas de cenas e diálogos especiais para mim, tamanho meu amor pela dedicação de todos os envolvidos dessa obra prima. 

Começamos então com um trecho da música do camaleão David Bowie "Changes": "...E essas crianças em que você cospe, enquanto elas tentam mudar seus mundos, são imunes às suas consultas. Elas sabem muito bem pelo que atravessam...”

Tem muita gente por ai falando sobre os jovens, mas poucos dispostos à ouvi-los. Diploma nunca vai te tornar mais humano, as pessoas são ou não. O conhecer é muito relativo. Eu apostaria que hoje os alunos não esperam conhecimento. Esperam, simplesmente, estar. Pode parecer escroto, vindo de alguém que está na educação. Mas não quero ser lembrado, aqui nesse texto, como um professor, quero que me leiam como um aluno, cansado do mesmo.

Sou aluno e acho importante destacar que me identifico com o marginal. Mais do que qualquer outro personagem. Mesmo que a neurótica me traga um sentimento de identificação também. Achei relevante, nesse texto, não mencionar os nomes dos personagens, só a sua classificação. O homem define, assim mesmo, de forma chula. Não se importa com sentimentos, quero aqui apenas simplificá-los. Para, depois, descobrir junto com vocês as belezas e medos por trás de cada personalidade.


Os anos 80 foi o ápice da popularização dessa nova geração perdida, da qual se estende até a atualidade. Em alguns casos até mais gritante. Explico, as guerras acabaram, tudo já está construído, os objetivos estão facilitados porque nossos pais nos dão a oportunidade que eles não tiveram. Cabe a essa geração se preocupar com coisas, outrora, banal. Mas evidentemente o grau de importância nada altera o sentimento. 

Acho errado quando um pai fala pro filho que a sua vida é fácil. Seus problemas são inúteis, que só se preocupam em estudar. Assim como acho errado o pai que fala que o filho não tem infância. Pois acaba criando dúvidas sobre o seu presente e desiludindo-o para enfrentar o seu futuro. Como disse antes, os anos 80 representam bem essa transformação que tivemos. As famosas tribos nunca foram tão proclamadas. As tribos passaram a servir, unicamente, para comparar o seu poder perante os colegas. Há poucos idealismos, não querem mudar nada, apenas assumir uma posição. No final do filme fica claro isso, quando o cérebro pergunta o que acontecerá com eles na segunda feira. A princesa responde da forma mais verdadeira possível que não irão se falar. É quando o cérebro se revolta e fala que nunca faria isso, ela, por sua vez, responde que é óbvio, pois sua "tribo" venera tanto as patricinhas quanto os atletas. Agora pergunto: Qual o ideal disso tudo? Eu mesmo respondo, a classificação dos produtos. Perceba que nesse diálogo já se estabelece uma elevação dos ditos populares sobre os demais. O que nada importa para a neurótica, que não precisa se assumir pois não tem amigos. 



Sabe aquela sensação, caro amigo ou amiga, de estar em uma festa e perceber que a sua presença de nada importa? Então, o jovem tem essa impressão constantemente. E o fato é que o sentimento respeita a realidade. Pois o mesmo não procura a verdade, procura o status. Se torna claro que o mesmo vai ficando invisível aos poucos. Como diria minha sábia mãe: "na escola, os alunos são recicláveis." O reciclável assume a tradução de novos rostos bonitos, novas tendências, novos namoros. A criança que tenta ser igual tem que, igualmente, ficar se reciclando, para não se sentir descartável nas festas dos amigos.

Ser descartável

Entramos então no ponto do ser descartável, dessa vez saindo das escolas para entrar na família. É inimaginável o poder que um pai exerce sobre um filho, ainda mais quando este deposita todas suas fichas no sucesso do mesmo. Sucesso, leia-se, que ele quer. Pressiona os garotos a serem algo, ou pior, se sentir como algo que não são. É o caso do cérebro e do atleta, por exemplo. Eles vão para escola e, em meio a toda diversidade possível, encontra-se aqueles que não tem carinho em casa. O marginal representa esse ponto. É importante lembrar que todos tem sentimentos, incluindo os jovens. E, na boa, eles tão cagando para textos e cálculos matemáticos, pois desde novos são ensinados que, sem isso, não serão nada. A escola não deveria apresentar uma única solução, deveria apresentar "o melhor de si." Significa basicamente que, independente do caminho que poderá seguir, o aluno tem que tentar ser o melhor. Dentro da sua própria escolha e fazer o bem sem querer nada em troca. 

A sociedade impõe uma imagem perfeita, estudos, notas boas, faculdade. Mas e daí? Isso é realmente o progresso da boa vida? Precisa-se de diploma para ser algo, ou melhor, o que é algo? Pois na prática não passa de um robô, sem coração e ambicioso. A busca pelo poder faz com que passamos para a próxima geração que a busca pelo poder é o que se deve fazer. O rebelde é rebelde por sentir que tudo está errado. Falta carinho, isso é difícil. Dar castigo é muito fácil. Não entendo, o educador novo chega cheio de esperanças, quer mudar todo um sistema. E percebe que nunca irá conseguir em menos de 10 anos. Descartando qualquer outra beleza que exista no ato de ensinar. Os cansados que me perdoem, mas se você chegou a esse nível de desesperança, saia de onde está. Procure outra coisa, não é justo continuar corrompendo cabeças inocentes.



O senso de realismo é importante para o educador. O saber que você nunca mudará a massa. Pode, claro, tentar fazer a diferença na individualidade. Resgatando o dom perdido, atrás de uma cortina imensa de ideais. Esse ponto está explícito quando o "lixeiro" da escola conversa com o professor e diz que o mesmo é que mudou. As crianças continuam a mesma.

Posso resumir esse pensamento com um diálogo do marginal com o professor, quando o segundo termina dizendo:

- "Visite Bender em 5 anos e verá o quão divertido ele é"

Essa é a visão deturpada que temos. De que a visão diferente, o estilo estranho ou a opção sexual faz com que apareça, em um passe de mágica, um telão que exibe constantemente todo o futuro perdido que o aguarda.

A vida escolar é mais complexa do que parece. Questões sexuais, por exemplo, são tratadas de forma infantil. Enquanto o medo é mais real do que os moldes fantásticos que se coloca em cima da questão. Se assume ser virgem, é puritana. Caso contrário, é vadia. A menina está no alvo dos olhares preconceituosos constantemente, como que os adultos exigem que eles estejam abertos para fazer pergunta. PORRA!


Para nós, alunos.

Eu acredito em nós. No nosso potencial. No nosso futuro, seja ele onde for. Não quero que sejamos os mesmos da geração passada. Quero que sejamos extremos nas nossas escolhas. Se vamos ser marginais, então vamos detonar com tudo, inclusive a falsidade. Se vamos ser políticos, então vamos fazer... para só depois roubar. Nossa geração perdida pode ser encontrada dentro de cada um. É fácil falar sobre esperança, difícil é saber que a realidade é bem mais severa do que os adultos querem nos passar. Livros não nos ajudam. É o olhar. Você pode ler o autor que for, se o teu coração não criar interpretações para aquela leitura, esta será desperdiçada. Vamos aprender a pensar. Mentira. Vamos trocar o que temos, nossas diferenças. Vamos ser jovens e mandar o formalismo e posturas uniformes para puta que pariu. Quando precisarmos desabafar, como visto no filme, ninguém zoara com a nossa cara. Porque apesar das diferenças, todos entendem que a dor, por mais banal que seja, é real. Somos seres humanos, apesar de tudo. Sabemos que todos precisam de carinho e amor. Não tornaremos nossos pais, não deixaremos nossos corações morrerem, não seremos melhores, muito menos piores. Seremos diferentes de tudo.

Somos perdidos mas, acima de tudo, um. E, sendo um, nunca só estaremos na festa. Nossa existência é especial. E assim deve ser. 

- Porque você está sendo tão legal comigo?
- Porque você está deixando.

Clube dos Cinco - Parte 1


Eu sempre me senti perdido. Isso só agravou na minha adolescência. Minha existência era sentida como desnecessária, meus objetivos eram inexistentes. A rua se tornou minha amante, a solidão minha mulher. "Minha mulher", nesse mesmo sentido de posse, possuo o estar só. O mundo se tornou uma tela de cinema e, por isso, eu me torturava por apenas assisti-la, enquanto pessoas iguais a mim se desenvolviam como protagonistas. Eu, mero coadjuvante da loucura do existir, comecei a apreciar a diferença. Me distanciando ainda mais dos amigos, das namoradas, da vida. 

Sempre amei o indivíduo e odiei a massa. No auge da minha rebeldia, custava acreditar que as pessoas precisam usar máscaras para esconder segredos guardados do coração. Para mim, todos deveriam ser os próprios, assumindo ter medo, assumindo estar perdido, assim como eu. Será que sentia tudo aquilo sozinho? Ou era o único que pensava sobre a questão? 

Enfim... nossa vida social é, hoje mais do que nunca, construída através das diversas tribos que se formam. Em base a estilo musical, pensamento político/filosófico ou até mesmo opção sexual. Criando, assim, uma rede de diversidade e, perigosamente, um turbilhão de preconceitos. Buscamos estar perto quando, na verdade, ficamos cada vez mais longe um dos outros.  O outro se torna reflexo no mesmo tempo que a nossa própria imagem se desfaz. Se consome. Se esquece.

Qual é o sentido de ser jovem? Qual é o problema em querer ser eterno? O que seremos?

Reflexões existenciais existem desde que o homem pisa na sua linha do tempo. Suas ambições são moldadas por outrem. Seus educadores depositam todos os seus fracassos, como se o filho fosse o Superman, o escolhido para sustentar toda uma esperança. Ora herói, ora vilão. Mas é o filho que será o salvador de toda uma geração afogada na própria ilusão. 

Ter uma família não é fácil. Entregar a sua criação para estranhos é mais ainda. Os pais protegem - ou deveriam - até o filho criar asas e ir para uma casa cheia de criações chamada: escola. É esse o primeiro contato social do filho, onde ele será exposto a diversidade e tem, como meta, a responsabilidade de entender que elas existem e precisam existir. Deveria, ao menos. 


Educação é uma sucessão de "deverias". Ensinar é uma prática nobre da qual, hoje em dia, se encontra um pouco banalizada. Se buscarmos na essência, a palavra paidagôgós ou pedagogo é uma junção de paidos ( criança ) com agôgè ( ação de conduzir ). Era representado no dia a dia pelos escravos que acompanhavam as crianças até a escola e ajudavam depois nas tarefas escolares. Repare bem na palavra escravo. Associando imagens que conhecemos através da mídia, com a função de ser um pedagogo, chega a ser curioso pensar que uma função, hoje tão cobiçada, começou com pessoas livres de qualquer interesse pessoal. Ora, eram pessoas até mais relevantes que os grandes senhores, porém, escravos. 

Como e quem pode ensinar?

Para terminar a parte de citações e entrar na realidade escolar que temos na atualidade, busco aqui uma fábula do grande Rubem Alves, que se chama "O Currículo dos Urubus":

“O Rei Leão, nobre cavalheiro, resolveu certa vez que nenhum dos seus súbditos haveria de morrer na ignorância. Que bem maior que a educação poderia existir? Convocou o urubu, impecavelmente trajado em sua beca doutoral, companheiro de preferências e de churrascos, para assumir a responsabilidade de organizar e redigir a cruzada do saber. Que os bichos precisavam de educação, não havia dúvidas. O problema primeiro era o que ensinar.

Questão de currículos: estabelecer as coisas sobre as quais os mestres iriam falar e os discípulos iriam aprender. Parece que havia acordo entre os participantes do grupo de trabalho, todos urubus, é claro: os pensamentos dos urubus eram os mais verdadeiros; o andar dos urubus era o mais elegante; as preferências de nariz e de língua dos urubus eram as mais adequadas para uma saúde perfeita; a cor dos urubus era a mais tranquilizante; o canto dos urubus era o mais bonito. Em suma: o que é bom para os urubus é bom para o resto dos bichos."

Esse trecho é interessante para compor uma ideia que desenvolverei a seguir, mesmo que não tão explícito, que diz respeito ao único interesse. Professores irão se identificar com qualquer conversa sobre planejamento de aula, até porque é uma das partes mais complicadas que existem, e já se depararam com a questão "o que ensinar?". A escola entrega um caminho a se seguir, mas cabe a um indivíduo traçar o seu próprio, desprendendo-se de qualquer interesse pessoal. De forma que sinta os alunos, a realidade deles. De que adianta ser um urubu e querer que todos sejam urubus? Um dos principais erros, ao meu ver, que temos hoje é a grade curricular voltada apenas para a decoração das matérias. O senso crítico e o olhar artístico são deixados de lado para dar lugar aos "cdf" da física. Há pouco espaço para a sensibilidade. 

Os alunos se perdem em meio a cobiça, cresce o distanciamento para com seus professores e os desajustados não são incentivados à exposição. Os sábios não conseguem falar. O preconceito aumenta, as tribos se tornam inimigas uma das outras e o jovem se vê como mostro.

Como disse, a educação é uma sucessão de deverias. Por isso o bom professor é aquele que consegue ser aluno. Que sabe que nada está literalmente completo. Que tão pouco sabe das coisas, apenas molda a informação. Respeitando a diferença, o passado e o sentimento do aluno. No fim, as crianças só precisam ser tratadas com carinho. Já que o espaço escolar assumiu outras funções sociais como igreja e a própria família, não custa se ver como ser humano, antes de qualquer diploma. 

Obs: 1 - Um texto que escrevi que pode acrescentar no conteúdo desse é o sobre a nossa mania de definir as coisas: http://cronologiadoacaso.blogspot.com.br/2013/04/definicoes-problema-ou-solucao.html

Obs: 2 - Logo publicarei a resenha do filme: Nesse Link


Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...