terça-feira, 25 de março de 2014

O Canibal ( 2006 )


Obs: Para o entendimento do texto, seria interessante dar uma lida na história da qual o filme foi baseado. Levando em conta que o relato é extremamente perturbador, assim como o site que indicarei: http://www.issoebizarro.com/blog/mundo-bizarro/armin-meiwes-o-canibal-alemao/. NÃO RECOMENDADO PARA MENORES DE 18 ANOS!!!!

Eu não faço parte daquelas pessoas que se chocam facilmente. Não sei o quão relevante é, para o texto que desenvolverei, essa afirmação, mas eu "cresci" assistindo os filmes do Gaspar Noé, então a realidade banal fora jogado na minha cara inúmeras vezes. Claro, por visitar com frequência esse submundo do cinema, posso dizer que aprendi a respeitar as diversas necessidades que existem, seja sexual ou não. Enfim, há uma diferença entre aceitar e saber que existe. Assim como há uma diferença entre falar abertamente e concordar com tais atos. A única coisa que eu tenho certeza é que sabemos muito pouco sobre as bizarrices que acontecem todos os dias, muita coisa fica guardada, secreta, pois nós ainda temos a ilusão de que vivemos em um "semi-paraíso protegido por Deus", enquanto, na verdade, estamos simplesmente no inferno mesmo, queimando e sendo queimados. 


A proposta aqui é um pouco diferente, quero ser um pouco mais imparcial do que costumo ser, e ajudar a levantar as questões abordadas no filme. As quais, por sinal, eu me fiz na época em que conheci o caso do tão famoso "açougueiro mestre". É válido começar dizendo, que o primeiro contato que tive com essa história foi com a banda alemã Rammstein, do qual sou fã, com a música "Mein Teil". Se pegarmos o contexto, o título significaria algo como "meu pênis", mas não se enganem, pois a tradução exata é basicamente "minha carne" ou "minha ferramenta". O que não importa muito, porque o pênis/pinto/pau/bilau/caralho etc é ferramenta, é carne, é vida (?)

O que é vida? O que é carne? E, principalmente, qual a diferença entre o ser humano e os outros animais? Eu não tenho conhecimento o bastante para afirmar se existe canibalismo no reino animal aquela que parta de uma vontade constante, claro que o fator sobrevivência modifica tudo. O que quero dizer é: Os animais são melhores que seres humanos. Não que o homem seja um ser dispensável - mesmo que o seja a maioria das vezes - mas a nossa espécie é cercada de uma desmotivação gritante. O homem devora o homem, desde sempre. A começar pelo julgamento de valor, em base as opções sexuais e banalização do sentimento. É muito fácil se sentir sozinho e, através desse sentimento, o homem explora o seu lado mais sombrio. Se tornando assim um bicho. E olha que essa afirmação ainda insulta todos os bichos.


 Nunca acreditei em céu ou inferno, essa ideia da vida eterna - por mais que seja extremamente aconchegante - nunca fez parte do meu repertório de imaginações. Por outro lado, eu uso muito a religião para nos explicarmos, é tanto que acabei me transformando em um "ateu religioso" ( eu sei, trai o movimento ), não acredito em um Deus cristão, acredito no amor. Até mesmo quando só há dor. Até mesmo nas sombras.

Existe amor na falta de amor. Existe amor na morte e no ato de matar. Na maioria das vezes não somos capazes de compreender isso ou aceitar. Mas as proporções são idênticas ao Deus, é tão difícil imaginar quanto. Sendo assim, tanto o inferno quanto o paraíso existe dentro de cada um e a vida eterna existe na arte de cada um. Qual arte? A arte de amar. Mesmo odiando.

O que faz com que eu enxergue o choque, como mais uma das diversas formas de expressões que existem. Para voltar ao ponto que coloquei no início, um dos diretores mais cordiais que eu conheço é justamente o Gaspar Noé. Reparem que o "senhor do choque" avisa os seus espectadores para sair das salas, provoca a identificação com o sexo anal em "Irreversível". Faz pensar. Existe muito amor no senso de realismo de Gaspar. E muito realismo no amor de Noé.

O gozo é a carne. A carne é o sexo. 


O açougueiro mestre, com o pênis nos dentes, fez com que a ideia do possuir chegasse ao extremo, infelizmente esse é somente um dos vários casos que ocorrem e ocorrerão sempre. Há algumas pessoas que querem devorar e outras serem devoradas, será que formam um casal perfeito? É certo que o filme tenta resgatar esses questionamentos, posicionando-se através do olhar de uma estrangeira, como se afirmasse que a curiosidade sobre a verdade não é exclusividade de um país, um lugar. Ela é uma personagem curiosa demais e se vê desiludida quando, finalmente, assiste o tão esperado vídeo. Pois tem certeza que todas suas possíveis reflexões filosóficas sobre o caso são inúteis. A crueldade humana não se desfaz com algumas palavras bonitas. Viva a verdade! A maldade habita uma prisão perpétua chamada vida.

No fim, "você é exatamente aquilo que come".

Texto levemente inspirado na música "Mein Teil"

terça-feira, 18 de março de 2014

Deveria


Confiança inabalável, 
Confiança irredutível,
Confiança inflexível,

Confiança tarda, cantada, abusada
Confiança que confia
Confiança imaginária
Confiança que está, que nunca esteve
Confiança por só

Confiança por amor
Confiança por dó
Confiança aqui, ali e lá
Confiança que cresce, que desce, que nasce, que cria, que produz
Confiança que
Confiança onde?

Confiança é, confiança o quê?
Porque confiança?
Confiar e ser confiado
Confiar por fazer, um tanto abusado
Confiar é confidenciar
Confiar é acreditar
Confiar é ilusão,
De criar

segunda-feira, 17 de março de 2014

Lilika, 1970


Há inúmeras questões, mas tomei como exemplo uma criança, porque elas são testemunhas claras do que pretendo dizer - Ivan Karamozov

É com essa oportuna frase que começo meu texto. Que não somente resume o filme sérvio "Lilika", como também toda uma pesquisa minha voltada para a relação da criança com o meio. Sou um admirador há anos de filmes que extraem da criança - leia-se inocência - sua visão perante a realidade. Pesquisando audiovisual do mundo todo, me deparei com o cinema Sueco, que nos brinda com uma sensibilidade única com filmes como "Flickan", "Elina - Som om jag inte fanns", "4-Ever Lilya" do Lukas Moodysson diretor que, inclusive, tem todo um trabalho dedicado ao jovem.

4-Ever Lilya
Flickan
Elina
Como perceberam, eu procuro no cinema alternativo a criança, é fácil perceber que esses filmes tem muito em comum. Aliás, unido com o silêncio Europeu, fica realmente maravilhoso acompanhar a descoberta dos nossos pequenos heróis. Com isso, temos a querida Dorota Kedzierzawska, diretora polonesa com uma dedicação inacreditável em registrar todo o processo da vida. Ora, se dúvida, assista "Nic", sobre as dúvidas de uma mãe, "Corvos", o cuidado, "Eu Existo", o sem ninguém e, por último, "Hora de Morrer", a velhice. Seus filmes traçam a história do homem, eu, você, qualquer um. Ninguém. Somos todos frutos da mesma indecisão/amor/carinho/abandono. Dorota - como a chamo carinhosamente, ou simplesmente por não saber pronunciar o sobrenome - é a musa da minha vida e certamente vale ser citada pois, assim como o filme que escreverei, se encaixa perfeitamente na frase inicial.

Lilika


Filme Sérvio de 1970, dirigido pelo Blanko Plesa, que mais tem trabalho como ator do que diretor. Essa obra é tão difícil de achar que nem eu lembro como consegui. Então infelizmente não vou conseguir colocar o link pra download, mas merece a investigação de pessoas que entendem melhor do que eu de torrent. Enfim, conta a história da pequena Sandic milica - interpretada brilhantemente pela Dragana Kalaba - que é mal tratada constantemente pela mãe que, por sua vez, é mal tratada pelo marido. Ou seja, uma família disfuncional que faz com que, a menina, só tenha atenção para uma pessoa: Seu irmão, ainda bem novo. Ela não liga nem para ela mesma, honestamente. É tanto que começa fazendo pequenos furtos de frutas para o irmão, até se tornar em algo rotineiro. Unido a isso, temos a descoberta sexual, que se apresenta de forma bem sútil, mas muito significativa. Sútil até porque ela não se preocupa com as suas próprias experiências, tudo está muito vago para a pobre garota, seus desejos são deixados de lado pelas suas obrigações.

Sempre com o mesmo vestido cinza, exteriorizando o seu coração, são poucas mas especiais as cenas em que ela é criança. Destaco a mais linda do filme:

Ela fala para o seu amigo que poderá fugir se a instituição for pegá-la, por causa dos furtos, extremamente preocupada em deixar o seu irmão com os "pais" ela convida o seu amigo para fugir com ela e, como recompensa oferece um beijo, mas um beijo como os adultos. Claro que, depois dessa cena, lembrei imediatamente do "Eu Existo", onde tem uma cena muitíssimo parecida com essa e igualmente maravilhosa. A dor do abandono faz com que a maturidade bata na porta antes do esperado. A vida se torna uma estrada chata, sem parques de diversões e sem gargalhadas. O beijo se torna um símbolo de crescimento, um beijo como adulto representa uma prisão.


Prisão esta que está presente á todo momento, acompanhado por uma trilha intimidadora, "Lilika" tem um desenrolar triste, nada se explica, tudo se mostra. Tem que estar disposto a ouvir o silêncio e, como bons adultos, nos tornamos crianças para ouvir algo que não se fala. O olhar diz muito.



Uma história banhada em guerra, como a própria garotinha narra o quanto a guerra prejudicou sua vida, ironicamente a própria brinca que está em uma em dado momento. Com uma pitada de abuso, abuso psicológico, abuso pelo abandono e outros que ficam escondidos, só visíveis para os dispostos a entender, o filme é um tesouro perdido.

domingo, 9 de março de 2014

Todo lo que tú quieras ( 2010 )

 

A dor da perda talvez seja a mais frustrante que exista. Se pensarmos, somos os únicos animais com consciência da finitude da vida, porém, é inegável que a mesma não adianta muita coisa quando acontece. Aliás, essa é uma palavra pertinente para quem já passou por isso, acontece, acontece, acontece, acontece... aconteceu comigo.

Temos a necessidade de depositar a nossa existência à algo maior, um outro plano, no qual a vida é eterna e o reencontro seja possível. Infelizmente eu não consegui ter essa crença, tive uma educação católica, com todas essas lindas histórias de "fazer o bem para ganhar o sempre" mas eu não consegui acreditar. Resta-me refletir sobre a morte como uma possível imortalidade construída pela arte, aqui na terra, claro. Por isso prezo tanto pelas inúmeras mensagens que diretores, roteiristas, atores e atrizes nos deixam. Eles, assim como nós, são humanos e, inconscientemente ou não, sabem que o seu trabalho significa mais que "fama de passagem", é um registro eterno, nem que seja nos corações de inocentes admiradores. Sendo assim, é fácil identificar o artista e o nome. Por essas e outras, eu escrevo sobre o cinema alternativo para resgatar a arte invisível, não para ser conhecido como cult. Mas, de fato, queria sim ser associado. O cinéfilo é, antes de mais nada, um amigo do audiovisual e, como bom amigo, nunca o quer apenas para si mesmo. Ele divide. E, por essa mesma razão, é fácil identificar a divisão por paixão e por interesses pessoais. 

Enfim, todos precisamos sobreviver, o cinema se tornou mais uma das diversas lojas que existe. Como perceberam, sempre antes de escrever sobre os filmes, eu gosto de resgatar as reflexões que eu tive durante e, aqui, tento destacar a falta de atenção para com algumas obras. Tem muita gente falando de cinema mas, infelizmente, pouca gente falando de homem. Como disse, feliz aqueles que fazem do cinema o seu sustento mas, por favor, não se esqueça de dividir, pelo menos, a importância da arte audiovisual para as pessoas. A importância da procura, da pesquisa, não didática, simplesmente estar aberto para experimentar. Só assim a ideia da imortalidade será revivida, não apenas para um seleto grupo, mas para todos. A mensagem não precisa - e nunca será - clara para todo mundo, mas sem dúvida todos sentirão. 

Todo lo que tú quieras 

Leo e Alicia são casados e moram com a filha Dafne, de quatro anos. Como numa família tradicional, a mãe preocupa-se em cuidar da filha e educá-la, enquanto o pai vive fora de casa, trabalhando. Contudo, a morte repentina de Alicia por um ataque epiléptico abala radicalmente esse equilíbrio familiar. Sentindo uma falta brutal da figura materna, a menina tem grandes dificuldades de superar a perda. Tentando atender como pode as demandas da filha, Leo chega ao ponto de renunciar a si próprio, colocando em jogo sua própria identidade.


Então, é incrível como alguns filmes escolhem quem o assiste. Há três anos encontrei o poster desse filme, e li o seguinte: "ele abandonou a sua própria identidade." Assisti dois dias depois, e logo no inicio adentro no mundo dos transformistas, com diversas fotos de transformações. Imaginem, eu não sabia de nada, e nunca passou pela minha cabeça que o filme iria usar algo tão recriminado pela sociedade para compor um "acontecer" tão natural quanto a perda. E como é bonito.

Eu sempre falei que, se eu fosse ator, queria interpretar três personagens - mesmo que eu tivesse que escrevê-los - um palhaço, uma mulher e um morador de rua. Muito por conta do visual. Sempre fui um admirador das cores, mesmo que me enxergue em preto e branco. É incrível como a maquiagem te faz outra pessoa, como o sexo interfere nos olhares de outrem e suas condições financeiras e vestimentas aumentam o julgamento.

Julgamento. Essa é outra palavra muito forte no filme, quando um dos personagens mais interessante que eu já vi fala "Eu já vi esse olhar muitas vezes na vida, são os olhos do julgamento." Aliás, esses dois lados serão discutidos, mesmo que bem intimista, durante todo o filme. A sociedade e o indivíduo.


Eu sou um amante de pessoas, porém, na sua individualidade. Não gosto das massas, pois elas são falsas. As pessoas se transformam para se adaptar ao meio, essa transformação, da qual eu também sou refém, não me atrai. Um ser só é verdadeiro quando sozinho. Uma cena que identifica isso muito bem é quando Leo, o protagonista, está destruído por dentro mas continua conversando sobre o trabalho com o amigo, como se nada tivesse acontecido. Até que o amigo após o fim da conversa, pergunta se está tudo bem e é ai que ele começa a falar dele mesmo, onde solta "honestamente eu não sei".

Uma coisa que preciso destacar é que, o transformismo, serve apenas para compor. Não é o objetivo do filme conversar sobre a questão, até porque da mesma o único ponto relevante para trama é a maquiagem. Como disse, misturado com a fotografia do filme, um tanto quanto pesada/escura, representa o luto. A diferença mora no fato que, mas do que simplesmente o luto, a maquiagem representa a lembrança. E ficará claro isso em breve.


Esses outros elementos, como o transformismo e preconceito só existem para expor essa ideia da diferença, esses extremos chamados "só" e "junto". E o quão isso interfere nos seus próprios conceitos. Veja, por exemplo, que quando Leo está com a Marta, um possível romance, ele despreza e ofende Alex e depois recorre a ele para ajudá-lo a se transformar na Alicia, a mãe da garotinha. 


Como disse, Alex é um dos personagens mais interessantes que eu já vi, pois ele representa tudo isso, a massa. Tanto é que fala sobre o preconceito/julgamento/olhares com muita propriedade em uma das cenas mais bonitas do filme. 

- Você quer falar com um viado de merda?
- É exatamente isso que queria dizer. Quero que me perdoe pelo outro dia. Eu não quis dizer isso.
- Não? Marta disse que sim, que foi exatamente o que queria dizer. Por que me odeia tanto? O que te incomoda em mim? Minha homossexualidade ou minha velhice?

Agora, caros leitores, imaginem essa cena sendo interpretada pelo Juan Diego Botto e José Luis Gómez, um dos maiores atores espanhóis que existe. Aliás, Luiz Gómez entrega um Alex poderoso, no que diz respeito a sensibilidade corporal. É incrível o domínio do ator com o seu corpo que, misturado com a sua voz penetrante, soa como uma entidade confortante, amiga e sabia.


Não poderia deixar de falar mais sobre a relação pai e filha. A menininha, que por sinal é curioso tentar imaginar como é possível tamanha atuação, mesmo sendo tão jovem, tem um complexo muito grande. A falta da mãe, ou melhor, de uma presença feminina, faz com que ela crie ilusões constantes, como esconder o pai com uma maquiagem. Pode soar, ao final do filme, que o pai mexeu com o psicológico da pobre garota, mas aqui tento explicar uma coisa, nunca podemos assistir um filme e interpretá-lo pelo que ele mostra visualmente. A arte é uma entrega da qual você pode depositar todas as suas experiências e contribuir para que aquela seja ainda maior. Isso não é se iludir com o que assiste, é criar um processo contínuo de interpretação, de modo que o filme signifique ainda mais.

Voltando, o transformismo do pai é, imaginem comigo, uma criação da menina. Digo, de verdade mesmo. O personagem pai se traduz como o olhar da menina, enxergamos ele como o pai tradicional no início - que trabalha muito e chega em casa cansado - porque a menina o enxerga assim. Depois, quando ele vira a mãe é porque ela quer. Ou seja, é como se todas as cenas representasse os olhos da garotinha e a maquiagem a lembrança da mãe, não é a toa que citei a fotografia, um tanto quando triste.


O filme se resume em dois pequenos momentos. Quando ela começa constantemente chamar o pai de mamãe, Leo se desespera, procurando nos olhos da filha a sua própria identidade pois o mesmo não sabe mais quem é. Ela repete "mamãe, mamãe, você é a mamãe" até que, sensibilizada pelas diversas implorações, ela fala "papai". Essas repetições, até chegar em pai são frenéticas, quase que um gozo. Aliás, seria uma perfeita analogia. É então que, após isso, o pai abraça a filha e, na cena seguinte, vemos ele vestido de mulher novamente. Ou seja, ele só estava interessado na palavra. Pois o olhar da menina continuaria o mesmo e ele sabia disso, pois na individualidade essa maluquice fazia sentido e, fora de casa, era só um simples transformista.

Outro ponto e, assim concluo o texto, é justamente o final do filme. Quando eles estão em um quarto de hotel e a menina fala que está com saudades do papai. O pai vai tirando a maquiagem, peruca e, lógico, a menina pede para fazer. Com suas pequenas mãos tira a sua maquiagem, delicadamente. Como se aquela visão não mas fizesse parte da sua vida. E fala que "se quiser ver a mamãe, fechará os olhos" enquanto questiona os ferimentos do papai.


Esse é o poster do filme. Foi assim que o conheci. E, indicando esse filme, eu me imortalizo. 

terça-feira, 4 de março de 2014

Geração lepo lepo



A internet traduz uma situação antiga, lá dos nossos antepassados. Onde, movido pela nossa eterna necessidade de desabafar com o outro, procurávamos pelos gestos a compreensão. Estamos gesticulando diariamente, pedindo atenção. A linguagem se transformou, diante a procura de diminuir as palavras. Aliás, a diminuição das palavras é só um pretexto para fugir das regras.

A nossa realidade virtual é a última esperança dessa geração de sair do óbvio. Temos aquela doce ilusão de que, aqui, quem manda é os jovens. Nós dominamos a linguagem da internet. A mídia está vendendo anúncios para nós, com o nosso formato de ideias, aquelas bem rápidas e resumidas.

Resumimos ideias filosóficas antigas em frases sobre uma foto com fundo preto. Nossos pensadores do cotidiano são os vlogs e blogueiros. E nós, pobres jovens, precisamos apoiar nossos ideais em ídolos momentâneos. Até as músicas estão saindo em um formato veloz, onde só é necessário uma frase tendenciosa e que rime, de modo que eu possa simular o ato sexual com ela.

Necessidades desnecessárias. Ou o princípio de uma revolução (?)

A linguagem modificada ou todo esse tempo nunca soubemos o que é linguagem?

Brincadeira de crianças ou crianças cansadas de serem dominadas por adultos?

Adultos indiferentes? Ou medrosos diante uma terra onde não são eles os mandantes?

Mundo virtual, doce realidade. Somos entregues a exibição, na nossa melhor versão. Sorridentes, bem vestidos e em festas. Enquanto, diante a horrível realidade frustante do meu dia a dia, nós choramos. No final, somos todos inerentes a vontade de receber elogios, mesmo que igualmente rápido e falso.

Senhoras e senhores, apresento-lhes a ilusão. Também conhecida como guerra.
Porque nessa terra, não há regras. Nós mandamos. Jovens e imbecis. Mas, acima de tudo, sonhadores.

segunda-feira, 3 de março de 2014

A Pequena Loja de Suicídios


Em um mundo imerso em depressão e desesperanças, uma família ganha a vida vendendo artigos para ajudar pessoas a cometerem suicídio. Entretanto, os negócios da família enfrentam problemas quando o filho caçula decide mudar de uma vez por todas essa realidade. Baseado no romance de Jean Teulé.

Mesclando o charme Francês com a depressão que ronda o nosso dia a dia - independente do país, estado, cidade etc. - eis que surge essa animação melancolicamente palpável. A pressa que vivemos hoje e a necessidade de se encaixar na sociedade tira a possibilidade de fazer aquilo que realmente gostamos. Construindo, então, uma geração fracassada. No sentido amplo da palavra, o se sentir fracassado por nunca ter tentado mudar, seguir o rumo que sempre sonhará. Muitas histórias despertam esse desejo oculto pela liberdade, no cinema temos, por exemplo "The Master" do Paul Thomas Anderson, em livros podemos citar o "Apanhador no Campo de Centeio" e assim por diante.

A liberdade está jogada na arte, pois vários artistas veem nela uma real possibilidade de ser universal. Por essa e outras coisas, eu acredito fielmente que "A Pequena Loja de Suicídios" é um filme que fala de todos e, consecutivamente, para todos. Ainda que entregue com amor, mesmo diante a sua depressão e repulsa. Ele é carinhoso, extremamente, eu diria. 


No maior estilo Tim Burton, temos personagens esquisitos, um tanto quanto distorcidos. Desde o seu visual até sua própria existência. Claro que a loja já se apresenta como um personagem importantíssimo para a trama - inclusive eu o considero o personagem principal - mas os personagens brilham muito, pois são eles que ajudam a construir uma certa "admiração" pela loja. Entendemos o que é a loja através da música, já fica claro que eles vendem a morte e, sendo assim, os clientes deles nunca voltam, ou melhor, não podem voltar. Então é comum que seja dito ao cliente coisas como "péssimo dia", "adeus", etc. E, agora pergunto, não é exatamente assim que nos comportamos hoje em dia? Caros amigos, pensem comigo, quantas páginas no Facebook existem com o nome "depressão"? Depressão da coruja, depressão da psicologia, filosofia etc. Além, claro, dos inúmeros vídeos de meninas divulgando a automutilação. Não que eu esteja dizendo que seja frescura, coisa de gente boba, pelo contrário, eu dou muita importância ao que se sente, principalmente jovens, mas nossa geração fora criada para não gostar das coisas. Por isso é mais fácil escutar um rock pesado do que ouvir pessoas chatas falando coisas imbecis. Será?

O próprio blog Cronologia do Acaso é uma prateleira de melancolia. Até porque eu só escrevo em base à ela, por sinal, eu não consigo escrever sem música. Blues, Jazz, Indie, Folk, são algumas coisas que escuto para escrever. O que elas tem em comum? A "liberdade". Nem que seja do bom gosto ( ^__^ )

Voltando ao filme


O pai vende a morte e o faz como uma arte. Ele se empolga, canta, sabe tudo sobre o ato de se matar. Porém, continua vivo - irônico isso né? Temos uma inversão de objetivos sobre o ato da venda. Se na nossa realidade queremos sempre que o cliente volte as nossas lojas, somos obrigados a forçar uma simpatia para isso - sim, estou falando com vocês atendentes de loja de sapato, que eu costumo ignorar porque sou chato - no filme eles querem o contrário, fazer mal ao cliente e, depois disso, desejam que eles nunca mais voltem, pois só assim saberão que continuam sendo perfeitos. Só que esse esquema acaba por fracassar com a chegada do filho otimista que, unido com as próprias experiencias pessoais com a morte, eles vão tomando conhecimento do que fazem e porque não fazem consigo mesmo. A depressão, então, deixa de ser vendida para que, assim, possa ser absorvida. 

A depressão nunca esteve ali, prova disso é as cores vibrantes da loja, muito diferente do clima sombrio, cinza, daquela cidade ( Mundo? ). O filho representa justamente o otimismo, o sorriso. Ele traz as cenas mais lindas, como aquela em que faz sua irmã dançar nua, se libertando das amarras da melancolia depositada por seus pais. O fato de estar nua só engrandece ainda mais, onde temos todos os amiguinhos do protagonista bobos com aquela mulher linda e ele continua imóvel com um olhar extremamente doce. Como se o fato de estar despida só exaltasse ainda mais a verdade do momento.


Com canções extremamente deliciosas, "Le Magasin des Suicides" consegue, no seu final, ser otimista. Pelo menos eu tive uma vontade enorme de viver depois de assistir. Eles me venderam a morte para, só assim, entender o valor da vida. 

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