sábado, 28 de fevereiro de 2015

Mary e Max, 2010


Quão louco é estar por aqui, saudade daqueles nossos olhos vidrados perante algo que é, aos olhares adultos, extremamente simples, a criança cria um universo próprio, repleto de dúvidas e soluções divertidas, lembro que, ao passear de carro a noite, eu ficava observando a lua me acompanhando, brincava que ela vinha comigo para qualquer lugar que fosse. Lembro também dos faroestes que assistia, eram os meus heróis, minha imaginação saltava e, rapidamente, eu estava vestido de Cowboy, andando desengonçado – estilo John Wayne – mas destemido, esse era meu passatempo, imitar meus heróis da TV. Inclusive já pensei em ser super herói de verdade, defender a cidade com minha bicicleta e alguma espada de plástico. Uma construção, perto da casa onde eu morava, se tornou um castelo, cuja terra eu utilizava para escalar e matar dragões... Enfim, falo da minha infância, por que não tem como assistir Mary e Max e não lembrar de você mesmo, tentando definir o que falaria, o que perguntaria, quando criança, para um amigo em Nova York.

O filme começa destacando detalhes da vida de Mary, deste patins jogados, até a caixa de correio – que virá a ser quase um veículo de sensações para ambos protagonistas – o narrador, então, define a menina pelos olhos e a mancha marrom na testa, o segundo faz parte de um incômodo que a menina levará consigo durante toda sua vida, enquanto o primeiro, bem, os olhos/visão, soarão ultrapassados ao longo, dará a vez ao coração, as palavras, o quanto elas podem ser sinceras sem as máscaras do toque.
Do outro lado temos Max, um senhor que se arrasta por entre uma estrada de concepções. A sua vida me parece tão fascinante quanto identificável, envolto de um preto e branco, surge como uma ironia muito grande New York nessa animação, afinal, quando aparece a plaquinha com o nome da cidade, ela recebe três tiros, como um aviso. Se não bastasse, as pessoas estão sempre esquisitas. Fazendo nosso querido Max parecer inofensivo, no meio de tanta insanidade destrutiva, a piada com o peixe, por exemplo, é ótima.  


Mary e Max são opostos, estão em fases diferentes da vida, porém, em vários outros aspectos são idênticos, reparem que eles assistem aos Noblets por motivos diferentes mas, por fim, ressaltam que os personagens possuem muitos amigos. Enfim, é tão poderoso esse questionamento de vidas isoladas/separadas, perdidas no mundo, quando, em algum outro lugar, alguém precisa ouvir e falar as mesmas coisas que você.

Uma lista telefônica nos apresenta inúmeros nomes, todos esses nomes tem histórias diferentes, todos esses nomes já foram crianças, Mary imagina como eles são fisicamente, mas será que naquele momento eles estavam bem? Estavam cuidando de seus filhos, que vieram de um copo de cerveja, estavam olhando outras listas telefônicas, estavam se drogando...? O quê todos essas pessoas desconhecidas fazem o tempo todo, o porquê somos tão fragmentados? A vida as vezes parece ser meio solitária, ai lembramos que não é possível que estejamos sozinhos nessa, existem sombras de nós mesmos, espalhados pelo mundo, pequenos pedacinhos de procura, enfeitando nossa existência pois, cedo ou tarde, serão encontrados(das).

Quando assisti pela primeira vez, tanto Mary quanto Max mexeu muito comigo, me identifiquei com os dois personagens, mas o Max era uma facada no estômago, sua visão de mundo, bem como sua ausência fazia com que cada frase sua soasse como um desabafo meu. Eu sempre fui muito entregue, mas em dada etapa da minha vida minha boca não dizia aquilo que minha cabeça pensava, eu não agia, pois o medo de me enfrentar não permitia que eu questionasse o quão importante eu era para essa peça de teatro brilhante também conhecida como existência.

Sei lá, é confuso a vida. As vezes olho para trás e percebo o quanto as pessoas foram importantes na minha vida, não necessariamente amigos, muitas vezes só conhecidos. Talvez não haja grande separação assim, ou talvez eu, naquele momento, não parei para refletir sobre o a verdadeira função daquela determinada pessoa na minha transformação, é claro que sempre resta estar só para evoluir, mas sem o outro não somos ninguém, não conseguimos nada. Eu sempre fui muito dependente da palavra, principalmente as verdadeiras, então minhas relações foram sempre construídas através de muito diálogo, com a Internet isso ficou ainda mais gritante. Quando escrevo aqui, por exemplo, eu tenho o costume de me imaginar sozinho, mas é questão de tempo para perceber que alguns estão lendo, sendo assim, posso estar ajudando alguém, assim como esse alguém pode estar me ajudando. O mundo se tornou bem mais pequenininho. É um grande outro lado do mundo, fico feliz por ter conhecido pessoas que me fizeram – e continuam fazendo, mesmo que distantes – bem.   


O pai da Mary gasta o seu tempo com amigos mortos, a mãe vive embriagada, existe uma pressão grande ali, um sufocamento, mesmo assim o ser mundo permanece colorido, como se a idade representasse uma esperança por um dia melhor, uma outra possibilidade, há tanta sensibilidade nisso, há tanta tristeza em se pensar, reparem como a música “Que Sera Sera” encaixa bem nesse filme:


Quando eu era apenas uma menina,
Perguntei para minha mãe, '
O que vou fazer?' Vou ser bonita? Será que vou ser rica?
E ela disse isso pra mim: Que Sera Sera,

Quando eu cresci e me apaixonei,
Perguntei ao meu amor, o que virá depois. Haverá arco-íris, dia-após-dia?
E o meu amor me disse: Que sera, sera,

Agora eu tenho meus próprios filhos
Eles perguntam a sua mãe o que serão Vou ser bonito? Vou ser rico?
Digo-lhes com ternura Que sera, sera,

Ela apresenta três etapas da vida, nas três existe um conflito, para as três existe apenas uma respostas, as coisas são como são, parece óbvio, mas há apenas uma única oportunidade, pra quê questionar a forma, quando o que realmente importa é o processo. Tudo é uma questão de processo. Eu sou fotógrafo, amante de cinema, a visão para mim é tudo... no mesmo tempo nada. É muito conflituoso todo e qualquer tipo de análise de filme, mas aquele que te toca é ainda mais complicado, as letras fogem do controle, assim como a desordem organizada da vida de Max, sua Tv grande tem som e não tem imagem, sua Tv pequena tem imagem e não tem som, parece que ele precisa sempre estar colando pequenas coisinhas, com simplicidade de sentir e criar significados sobre tudo, é tão forte para mim assistir hoje em dia meu velho amigo, é um reencontro marcado por emoção, assim como eu me pego em uma fase completamente nova e, meu querido Max, deixa de ser igual, passa a ser uma lembrança. Como é forte para mim seus animais, os diversos sanduíches de chocolate, as invenções culinárias, sua vida cheia de sonhos, cujo doutor os classifica como imbecis, queria pedir com gentileza para esse doutor não ser tão duro com meu amigo, tolo é não sonhar, tolo é não viver, tolo é não ter amigos. Quando começa a tocas “Coro a bocca chiusa”, no final, fica claro que eles se conhecem, o pote de leite condensado foi dividido há muito tempo, desde, talvez, o começo dessa história, na iniciativa de mandar uma carta, na coragem de responder, na vontade de continuar, não precisa necessariamente da distância, bem como o estar perto não diz muitas coisas, o sincero transcende o espaço, está dentro de você, dentro de todos nós. Ame, sonhe, compartilhe, tenha amigos... até aqueles que já foram.



Dedico esse texto há uma pessoa que mora em uma das gavetas mais especiais do meu coração, dedicada a palavras jamais esquecidas, de longas conversas indecifráveis. Obrigado pela paciência, por acreditar em mim de alguma forma, por ser sincera e sarcástica em diversas oportunidades, você viu de longe uma transição curiosa, como te disse uma vez, algumas pessoas são anjos... Fazem rir.

Com carinho, Emerson Teixeira. Seu amigo de Santa Branca, 

( Mangá ) Uzumaki

Essa é a primeira vez que escrevo sobre um mangá aqui no Cronologia do Acaso, o motivo é muito simples, eu não leio mangá. Lembro de ter assistido o filme "Uzumaki", ter gostado do lance da piração por causa de espirais e, depois, pesquisando sobre o filme, encontrei resenhas sobre o mangá. Foi então que surgiu a curiosidade de ler pois, como bem percebi, se trata de uma história infinitamente surreal e grotesca. 


Há uma diferença entre terror e horror, isso todos já sabem. O escritor, Junji Ito, mestre do terror, sabe mexer com o psicológico em explorar o estranhamento dos fatos. Tudo começa com o olhar de uma delicada menina chamada Kirie Goshima, ela vai, aos poucos, apresentando a pequena cidade que vive, o amigo/namorado Shuichi Saito, no mesmo tempo que vamos desvendando umas coisas bizarras que vêm acontecendo no lugar. Logo no primeiro capítulo, a caminho da escola, ela encontra o pai do seu namorado, ele está vidrado com um caracol na parede. Mais tarde ela vai descobrir que o tal senhor está colecionando tudo que seja em formato de espiral, pelo motivo do fascínio. Ele consegue, com isso, mexer seus olhos, desprendidos, enfim, o negócio fica denso pra caramba! Tudo por conta do bendito espiral. Quando a mãe de Shuichi joga fora a coleção do marido de espirais, o mesmo compra um recipiente e se contorce lá dentro, morrendo de uma forma grotesca, simplesmente quebrando todos os ossos do seu corpo para, então, se tornar um espiral. Quando cremado, a fumaça faz um grande espiral no céu, o que deixa a sua mulher com fobias de espirais.


Vale ressaltar que a história é um conjunto de capítulos e, apesar de existir uma sequência, vários deles se revela como uma história isolada, quase como o capítulo de uma série, revelando uma outra bizarrice provocada pelo espirais. Com desenhos, no mínimo, sufocantes. Não sei se é só comigo, mas o fato da cidade ser pequena, unindo com a bizarrice extrema, me causou um certo desconforto em muitos momentos, não é medo, mas um desconforto do tipo pesadelo. Parece que estava tendo um pesadelo, no qual a próxima página também era um grande vício. A história prende muito, parece que não tem fim as reviravoltas malucas que acontecem.


No segundo capítulo temos a história da mãe que, como eu disse, fica com fobia de espirais, portanto corta o próprio cabelo, corta as digitais dos dedos, fica transtornada mesmo, até que descobre que, dentro do ouvido, existe um negócio chamado cóclea, que é em formato de espiral, isso ela descobre pois o marido, morto, volta em aparições espirais e conta, ela então mete a tesoura dentro da orelha para arrancar a tal cóclea. É uma insanidade sem fim.



Que coisa, eu li o mangá em apenas um dia, devorando cada página, tenho certeza que hoje não dormirei muito bem, embarquei mesmo nessa atmosfera, destaco um capítulo que um menino chega atrasado na escola, em dia de chuva, todos ficam sacaneando com ele, chamando-o de lerdo, a cada dia que se passa ele continua chegando atrasado, até que cresce um calombo nas costas dele, aos poucos vamos percebendo que ele está virando um caracol! Mas que porra é essa, ele está virando um caracol gigante! Seres humanos, é incrível! O nível de bizarrice desse mangá é inacreditável, mistura tudo, aquele clima de história de zumbis, onde um grupo tem que correr de um lado para o outro, mesmo que saibam que não tem saída, tem os recorrentes exageros do terror japonês, aqui temos um capítulo sobre cabelos, sempre nas histórias japonesas tem algo com cabelo, já perceberam?

Como disse, não sou um grande conhecedor de mangá, mas certamente indico essa história, infinitamente melhor que o filme, mesmo que na época tenha achado legalzinho. 


quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Confiança, 1990



Poderia escrever páginas e mais páginas sobre o querido diretor Hal Hartley, mas me contento, por agora, em resumir tudo com um "procure o trabalho dele!". A sua história está vinculada com o cinema independente, mais precisamente, com o cinema independente norte americano dos anos 90. Eu escrevo muito aqui no Cronologia do Acaso sobre o cinema de outros países, mas jamais escondi o meu apreço pelo cinema americano, principalmente da safra que trouxe a revolução. Se analisarmos a década de 90, encontraremos grandes nomes que surgiram, a partir desse impulso pelo autoral, na lata me vêm nomes como: Paul Thomas Anderson, Wes Anderson, Todd Solodz, Tarantino e Hal Hartley. Todos resgatam elementos perdidos, por entre um fazer cinema acostumado. Roteiros impecáveis, estética transgressora, sociedade sendo vista de perto, próxima ao máximo da realidade.

Bem, comento aqui o filme "Confiança", de 1990. E que tarefa complicada! Me sinto as vezes muito pequeno perto de uma obra deveras provocativa. Provocação que parte da identificação, misturado com uma careta do tipo que pensa "o que tá acontecendo nesse filme?". Tamanha estranheza, tamanha naturalidade, tamanha é a nossa sensação de estar diante de algo que acontece, mesmo quando o diretor tente ocultar a mensagem em diálogos, por oras, desconexos. Confiança é a captura de um fragmento chamado confiar. Essa palavrinha, essa ação, essa misteriosidade chamada depositar suas esperanças em alguém, quão complicado é, quão verdadeiro pode ser.

Acompanhamos a história da Maria, interpretada pela belíssima e talentosa Adrienne Shelly, que é uma jovem rebelde, do tipo meio burrinha, que provoca um ataque fulminante no seu pai após contar que está grávida. Sua mãe a manda embora de casa, e é ai que ela encontra um cara estranho chamado Matthew, interpretado pelo grande Martin Donovan, se percebe que ele é um rapaz um tanto descontrolado, anda com uma granada no bolso, por exemplo, muito inteligente e observador, tem problemas com o pai, um ser humano sem carinho algum, que tenta fazer de todo custo o filho engrenar na vida. Como dá para perceber, os dois tem ausências muito grande de carinho, no mesmo tempo que precisam sentir a vida e, juntos, embarcam em diálogos que, bem ou mal, os levará a outro entendimento sobre quem eles são, o que desejam. Mas isso é teoria, no fim eles não tentam encontrar respostas para nada, nem para o sentimento que surge, eles se ajudam. Por quê? Porque alguém precisava os ajudar e, por acaso, eles se encontraram.


Tem tantos detalhes, já digo logo que é impossível interpretar todos nesse singelo texto, começo, então, observando que Matthew tem, literalmente, bomba nos bolsos. Problemas. E é isso que veremos em todo o filme, problemas/bombas, em dado momento Maria, já está nas ruas, encontra uma senhora sentada com o olhar vazio, começa a contar sobre a sua vida e, no mesmo momento, a senhora começa a falar da sua. Fica nessa confusão de histórias, ao mesmo tempo, como se nenhuma das duas quisesse, realmente, prestar atenção em outra coisa senão seu próprio sofrimento. Personagens bombas, encontram-se em momentos de turbulência para, enfim, enfrentar juntos. Mas de maneira alguma acabar, pois o estar junto não significa mais força, apenas companhia. Posso estar sendo meio pessimista, mas o filme me mostrou que não precisamos de sentimentos profundos para planejar algo com alguém, basta ter respeito e admiração com uma pitada de desespero, o diretor é tão visceral nas suas palavras, que em poucas ele representa os casamentos que temos hoje. As pessoas estão se casando por nenhum motivo profundo, apenas união, estão usando a família para acreditar que estão em rumo ao final feliz, enquanto esperam ansiosos pelo começo do fim, mesmo que ainda não saibam. Espera ai, o que é mais loucura, dois jovens largarem suas famílias para viverem um momento bom, ou mulheres casadas por 20 anos, sofrendo por não amar e por estar perdendo suas vidas? Você pode assistir ao filme, não entender nada, classificar os protagonistas como insanos. Mas eu vejo que a única insana era a mãe. Ou melhor, o que o filme critica. A falta da atitude. Imaginem tudo isso, que nem consigo explicar direito, envolto de um sarcasmo, umas piadas maravilhosas que, em nenhum momento, se tornam comédia, por tamanha obscuridade.

Hal Hartley explora o ser humano, nossas escolhas, a própria Maria registra em um bloco de notas: "eu tenho vergonha de ser jovem". Pois ela é, no começo do filme, muito inocente, vai aos poucos se tornando um pouco Matthew, tanto que assume o mandato e coloca a granada dentro de uma gaveta. Guardando os problemas, tanto do Matthew quanto dela mesma, do tipo que diz "esqueça isso tudo, pensaremos em ir caminhando ao próximo dia e só isso basta". 

"Família é como uma arma. Se apontar na direção errada pode matar alguém"

Esse filme tem uma das cenas mais lindas da história do cinema, um dos diálogos mais lindos que eu já vi, que se constrói em uma busca por definições, mas ao contrário. Primeiro há uma definição, para depois ignorar o significado. O quão fácil é dizer "eu te amo", o quanto é complicado explicar o porquê. Maria vai fazer o aborto, em uma cena muito cômica percebemos que Matthew está bem mais nervoso que ela. Há um desentendimento, não dá certo. Os dois saem e encostam em um muro. Minutos antes ele a pediu em casamento. Ela então, ainda encostada na parede, pergunta se era verdade aquela pergunta:

- falava sério sobre casar comigo?
- Sim.
- Por quê?
- Por que eu quero.
- Não porque me ama ou algo parecido né?
- Eu te admiro e respeito.
- Isso não é amor?
- Não.
- É respeito e admiração. Acho que é melhor do que amor.
- Como?
- Quando as pessoas amam, elas fazem loucuras... ter ciúme, mentir, trair, matam a si mesmos e matam uns aos outros.
- Você vai ser pai de uma criança que não é sua.
- Crianças são crianças.

Depois desse diálogo, temos um sobre confiança. Que coisa linda. É válido ressaltar, que essas palavras saem da boca de um rapaz com problemas com o pai, mais para frente, quando o seu pai vai procurá-lo para voltar pra casa, ele pede que o pai admita que sente sua falta, isso acontece nessa cena citada acima. A menina pede que ele admita que respeito e admiração é amor, mas o mesmo se recusa, durante todo o filme ele propaga não amar ninguém, como assim um cara durão pode amar uma desconhecida? Não sei, mas ele a admira e respeita. Outra coisa, um filho maltratado, sem carinho do pai, sem a mãe, morta quando ele nasceu, afirma que "crianças são crianças" uma frase que pode soar fria, mas é a interpretação de um sentimento de bondade e afeto tamanho, ao ponto de estar pronto para assumir um filho que não é seu, mesmo que não tenha cem por cento de certeza que é realmente capaz. 


Fica claro que a menina muda drasticamente durante o filme. Assim como a importância do fator trabalho. Matthew não consegue ficar em nenhum, pois o comum é pouco para ele. Receber ordens, repetição, nada faz muito sentido, ele é um perdido. Uma pessoa com muito para dar ao mundo, que ainda não percebeu e tenta desesperadamente se encontrar. Ou pode ser simplesmente um vagabundo desajeitado, irá depender do seu ponto de vista.

- Eu gosto do jeito que ele é
- Como ele é?
- Perigoso. Mas sincero.
- Sincero e perigoso?
- Não. Perigoso porque é sincero

Nessa história de absurdos reais, só a verdade. Talvez uma das relações mais verdadeiras da história do cinema. Não se sabe um motivo, nem existe um objetivo. Só uma atração inexplicável. Em nenhum momento ele tenta conquistar a garota com mentiras, pelo contrário, ele é ele. Esquisito, meio existencialista, um tanto perigoso, mas tudo isso só porque ele é sincero. Poderia se apresentar como um cara perfeito e ela ir, aos poucos, descobrindo a verdade. Mas não, de tudo o melhor: Tudo parte da sinceridade dele. Então, sendo assim, ele pode ser o que for mas é confiável. E ela, simplesmente, confia.

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Siren X, 2008


Adorável lado B do cinema, aqueles filmes que, sem dúvida nenhuma, Tarantino assistia lá na locadora. Esses filmes são os meus pipocas, a minha diversão é garantida com um bom sexploitation, trash, gore etc. Sinto-me feliz e emocionado, uma emoção tão grande que tremo e sinto vontade de tirar as calças. Extasiado com o grotesco, horror cretino e sujo, viva o cinema podre!

Trouxe um filme interessante hoje, parte de um subgênero japonês chamado "Pinku Eiga" ou traduzido "filme cor de rosa", que é uma adoração a mulher. A mulher como personagem principal. Mas não é comédia romântica ou nada do tipo, estamos falando aqui de sexo. O sexo como o real propósito de uma histórinha bobinha. Existiam, então, assim como o sexploitation, as musas do Pinku como a lindíssima e talentosa Reiko Ike que tem em seu currículo obra como "Sex and Fury", cujo destaque se encontra em uma cena onde ela está tomando banho em uma banheira, sua casa é invadida por capangas malvados e, sem roupa, ela sai para lutar pelo seu destino. Isso tudo na neve e, minha nossa, que coisa linda. Mais tarde Tarantino copiaria visualmente isso na luta final de Kill Bill vol. 1. Enfim, "Sex and Fury" tem a eterna ninfeta Lindberg ( já falei sobre ela lembra? Clique aqui ) e você, caro(a) amigo(a), precisa urgentemente ver essa pérola do cinema!


Continuando, assim como tudo na vida, esses filmes influenciaram muito a indústria, mesmo com suas bizarrices, primeiro porque muitos puderam se masturbar diante aos espetáculos em forma de atrizes despidas - quer mais importância que isso? - segundo porque... mulheres! 

Esse subgênero, nos anos 60, permanecia marginalizado e, com os respectivos sucessos, como filmes como "Daydream" de 1964, nos anos 70 as grandes indústrias passaram a aderir o formato para si, resultando em outros excelentes e divertidos filmes. 

O que vou citar aqui é diferente, por dois motivos, ele é recente, 2008, e é um filme de terror. Geralmente esses filmes não se preocupavam tanto com a história que ligava o sexo, nesse temos, sim, uma boa história. Há exageros, filmagens grotescas, personagens estúpidos e atuações fracas, mas no todo consegue ser muito interessante e, ainda por cima, prende a atenção.



Yôjo densetsu Seirên X: Mashô no yûwaku ou, simplesmente, Siren X nos mostra um grupo de jovens realizadores que vão para uma pequena ilha afim de fazer uma paródia desses programinhas de terror, com entrevistas e caça ao monstro/mistérios, só que, claro, com o intuito de cair no sexo depois. Então temos a atriz que faz o papel da repórter, por exemplo, que está com uma mini-saia e sempre teremos, enquanto ela desbrava o local "mal assombrado", filmagens da sua calcinha, enfim, o filme usa esse tipo de erotismo. Cai uma chuva e eles vão se abrigar aonde? Na primeira casa com aparência diabólica que eles encontram, claro. 

Do nada a porta abre, são recebidos por uma mulher lindíssima e estranha. Depois de bons tratos e o oferecimento de uma estadia, eles descobrem que ela é uma devoradora de homens. Curioso é como ela faz isso, ela transa com os caras, tipo o maior sexo da vida deles, até eles gozarem - e, na minha opinião, aquele gozo não é normal, visto que em uns saem pela boca, outros cortam a garganta etc - e depois ela bebe todo o esperma, quase como sugando a alma deles por meio desse ato vampiresco até, eu diria. Temos aquela velha história, os amigos percebem a verdade, começa a fugir e, pensando estarem a salvos na cidade, a tal moça começa a aparecer em sonhos, fazendo com que eles fiquem obcecado pelo monstro no corpo de uma linda asiática e, confesso, bota linda nisso. Belos seios. O que estava falando mesmo?! Só me vem a cabeça seios agora.... espera....


As alucinações que acontecem são as melhores coisas do filme, ainda tem umas brincadeiras do que é verdade e o que não é, um dos amigos está fazendo sexo com sua namorada, imagina a tal moça e, quando percebe que não é ela, ele mata a namorada, enfim, depois os dois amigos retornam para a mansão afim de fazer o sexo de suas vidas e, consecutivamente, morrer, sufocados pelo seu próprio gozo. Realmente, um filme divertidíssimo, interessante, muito bem realizado para o que se propõe, mistura muito bem o terror e cenas de sexo, enfim, gostei bastante mesmo. Super indico para todos!

sábado, 7 de fevereiro de 2015

O Menino e o Mundo, 2014


Com traços despretensiosos, algo próximo aos desenhos infantis, somos apresentados a um garotinho ou, como pode ser interpretado, nós mesmos. Afinal, todos somos crianças, mesmo que seja apenas nas lembranças. Crescendo na zona rural, em um lugar afastado, sua imaginação se transforma em um parque de diversões, onírico e sensível somos transportados para uma dimensão maravilhosa, onde a brincadeira, mesmo que solitária, ilumina nossos corações, trazendo lembranças de nossa própria infância, pois ainda tivemos oportunidade de ter uma, coisa que não acontece com essa nova geração.

O menino no mundo, mundo do menino, mundo grande e menino pequeno, menino grande para um mundo minúsculo. Enfim, o mundo não tem graça sem o nosso olhar para moldá-lo. Nesse ponto, percorremos uma grande aventura por entre um mundo particular de sorrisos, lágrimas e críticas sociais, no que podemos classificar como a melhor animação do Brasil. Assim como uma animação para adultos, mesmo que os tais traços infantis estejam presentes, ainda acredito que o entendimento por completo se dá através de uma experiência maior, eu assisti com minha irmã de 9 anos e, a todo momento, eu dava uma explicada só para contextualizar e, assim, deixar ela interpretar sozinha. 

Com três fiozinhos de cabelo na cabeça, muita curiosidade no olhar, o menininho é corajoso em desbravar o mundo, isso é brilhante. Por outro lado, temos que entender que a falta do pai mexe muito com ele, um desmoronamento familiar, cujos pedacinhos ele tenta juntar a todo instante como, por exemplo, guardando as notas da flauta do pai em um potinho e unindo com a canção da mãe. Extremamente lindo e sutil.

Com algumas colagens, que por sinal achei fascinante, o trabalho artístico é impecável, se não bastasse a ideia cheia de significados, temos, visualmente, uma obra fantástica, repleta de enigmas, quando o menino parte para a cidade, há críticas sutis ao consumismo e propaganda, assim como a vida interiorana deixa de existir, tudo passa a ser mecânico, sem verdade, até a estética do filme muda, antes abusava bastante do giz e das falhas propositais da pintura, remetendo-nos a inocência, passamos a ver paisagens bem mais realistas e uniformes.

Enfim, uma grande animação, filme, feito em nosso país, merece ser visto, merece ser interpretado, certamente servirá como catarse, como uma ponte entre você e o menino, menino e o mundo, trazendo-nos aquela vontade de criar com pouco, usar a imaginação para viajar, querer mergulhar nas nuvens e conseguir, no algodão, claro. Mas será mesmo?


quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Respire, 2014


Quem não se lembra daquele grito "Au Revoir Shoshanna!" em "Bastardos Inglórios", filme do Tarantino de 2009? Ainda mais, como esquecer aquela talentosa e lindíssima atriz que faz a tal Shoshanna? Ela se chama Mélanie Laurent e, além de ser uma excelente atriz, vem se mostrando uma brilhante diretora, vejam só, que maravilha.

Seu mais recente filme "Respire" de 2014 conta a história da Charlie, que vive uma pacata vida escolar, poucos amigos, tímida, ainda tem problemas familiares, enfim, sua vida começa a mudar com a chegada de uma nova aluna, Sarah, com uma personalidade totalmente oposta, faz o tipo popular, amada por todas, meio vida louca. Charlie começa, cada vez mais, colocar Sarah em sua vida, se esquecendo de quem realmente é. Sarah tem problemas com a mãe e se sente, de certa forma, acolhida, Charlie vê na nova amizade a oportunidade de uma nova versão de si mesmo, porém a diferença que constrói essa relação é a mesma que as leva a destruição.

O jovem respira diferente, já perceberam? Ele sente-se apressado, um tanto empolgado, diante a qualquer situação de novidade. Ele se entrega muito mais, portanto se arrepende muito mais, o mundo parece pequeno e se resume a seus problemas escolares, e de fato é. O tempo passa e vem a calma, um dia após o outro, essa tranquilidade é, talvez, a melhor qualidade do sábio. Há exceções, claro, mas em suma o jovem respira diferente. Escrevo isso, pois, assim como o título, temos diversas metáforas sobre a respiração nesse filme. Um exemplo seria a personagem principal, que tem asma.

No início do filme, eu não li sinopse nem nada, imaginei algo parecido com "Azul é a cor mais quente", há, inclusive, algumas cenas que indicam isso, pois na amizade delas existe muitos contatos físicos, inclusive um beijo quando estão bêbadas. Mas o filme fala sobre coisas diferentes, dentre elas, escolhas. Vivemos cercados de possibilidades, rodeado de pessoas diferentes, elas são, em sua maioria, pontes para conseguirmos ser o que mais queremos, mas até que ponto é máscara? Até que ponto é possível segurar uma relação sustentada por interesses? Essa ideia de opostos, apresentado no filme, é deveras interessante, Sarah conta sobre suas diversas relações sexuais, Charlie diz ser virgem, ela completa dizendo que tentou com um namorado, mas depois doeu e ela desistiu. 
Depois de uma intensa amizade passageira, movida por interesses de ambas, a verdade é que a diferença separa as duas, seja na escola ou na vida. As provocações começam. Como é um filme Francês, muitas interpretações ficam a cargo dos olhos mais atentos, acompanharemos o isolamento da protagonista, as brincadeiras de mal gosto que acontecem, enfim, consequências de uma inocente amizade. A densidade toma conta, até chegar na cena final. Um desfecho de arrepiar. Onde a atuação da Joséphine Japy vai ao topo, aliás, anotem esse nome urgentemente, essa é uma atriz de apenas 20 anos, o que ela faz nessa cena é inacreditável! 

Se eu tivesse assistindo esse filme antes, certamente entraria na lista dos melhores de 2014. Mas como chegou agora na internet, fica para o próximo ano. 

Oshin, 2013


Há! Como é grande o meu amor pelo cinema. Como é grande o meu amor pela vida, por histórias, como sou feliz por encontrar obras de artes perdidas como "Oshin", filme japonês - olha, quem diria que iria voltar ao país tão cedo - de 2013, dirigido pelo Shin Togashi e que tem, em seu elenco, uma das atrizes mais bonitas, ao meu ver, Ueto Aya fazendo a mãe da personagem título, interpretada pela adorável e talentosa... pausa, peguem o caderno... pausa... Kokone Hamada! Você caro amigo(a), anote esse nome, estamos falando da menininha que se tornará, em breve, uma das maiores atrizes do Japão. Por que o que ela faz nesse filme é uma das coisas mais profundas que eu já vi, no que diz respeito a atuação de crianças, olha que, como pesquisador do tema que eu sou, já vi muitas atrizes boas, principalmente vindo da Suécia, mas essa menina é de deixar boquiaberto, mesmo com certos exageros costumeiros do cinema Japonês ela realiza algo inacreditável, eu ouso classificar como a maior performance mirim que eu já vi na história do cinema. 

Na postagem anterior, sobre "Paixão Juvenil" eu falei um pouco sobre a visão que a mulher tinha no Japão, bem, claro que o filme que comento hoje é recente, porém ele se passa em um período muito conturbado onde, consecutivamente, a mulher era alvo de muito sofrimento. Em pleno período Meiji, repleto de mudanças políticas, econômicas, assim como o próprio trabalho, o povo buscava encontrar uma forma de viver, em meio as mudanças e, sim, era comum o trabalho de crianças, desde muito novos. Até chegar nas mulheres, que serviam a casa de todas formas possíveis. Tá, até ai não tem muita novidade, o fato é que teremos todas essas questões sendo tratada de forma extremamente sutil através de uma garotinha de 7/8 anos. O que, diante a inúmeros eventos catastróficos, digo, tristes, ela vai amadurecendo, até chegar ao ponto de ver sua mãe se prostituindo e, com as sábias palavras da sua patroa, busca o equilíbrio com a verdade de que, a mulher, está fadada a nunca trabalhar para si própria, mas para os filhos, maridos etc. Por fim, em um diálogo esplêndido, a senhora ainda fala para a menina "ame-a - sua mãe - com todas as suas forças" pois ela sofre por estar fazendo o que faz, assim como a menina sofre com a vida que lhe fora imposta. 

Um filme extremamente triste, sim, real, é impossível não chorar, mas mesmo com os recorrentes exageros, em nenhum momento senti a obra pedinte, os acontecimentos vão desabrochando naturalmente, de forma que a emoção também seja muito natural, mesmo que quase durante todo o filme. A menina é um poço de coragem e atitude, servindo como exemplo, eu diria, para essa nova geração que tem tudo nas mãos, a qual eu também estou incluso. Poxa, ela começa a trabalhar aos sete anos, não conseguimos mais imaginar algo assim, ainda mais surgindo com tamanha naturalidade para a família essa questão, o pai soa como um explorador, mas não deixa de ser igualmente explorado, então estamos limitados a fazer um contexto mesmo, em prol a entrega, sem ficar com tanta raiva das injustiças, o que é bem difícil. Importante a reflexão/experiência adquirida ao assistir "Oshin", tem como protagonista uma personagem muito madura e fofinha, cujo nome significa confiança, a qual, aliás, aprenderá a adquirir, por mais que seu direito de opinião seja praticamente inexistente, mas, no fundo, ela consegue ler e, sendo assim, é diferente, há muita esperança em seu sorriso simpático.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

( Nuberu Bagu ) - Paixão Juvenil, 1956


As mudanças políticas, assim como as guerras, causaram um impacto muito grande na arte como um todo e, depois, ainda temos essa arte transformada impactando na vida dos jovens. Anos 50 e 60 são a base do rock, por exemplo, não só pensando em gênero musical como também em todas as influências que o rock trouxe no estilo de vida das pessoas, principalmente adolescentes, eu vejo o rock e, eventualmente, respondo aos curiosos, que rock é atitude. Claro, muitas vezes confundida com imaturidade, ou ódio, enfim, o problema é que a minha atitude pode ser diferente da sua atitude, então eu aprendi a usar o rock em prol ao meu crescimento pessoal, não mais a me destruir. Estou escrevendo isso, pois acho de suma importância a Nouvelle Vague como uma das maiores atitudes que tivemos, em meios cinematográficos, eu comparo muito essa necessidade de ser cru, com a entrega dos jovens nessas décadas, uma mistura de rebeldia com coragem de enfrentar um sistema corrompido. Uma alma sexo, drogas e rock 'n roll e uma proposta de subversão que beira o adorável. O que hoje é clássico para nós, digo, realizações da Nouvelle Vague, na época eram grandes pedaços de mal caminho.

Bem, hoje estarei comentando um filme da nouvelle vague japonesa, ou Nuberu Bagu, que, como descrevi acima, também era sustentada para coragem de enfrentar a exposição. Muitas vezes usando os jovens como exemplos de uma tentativa de escapar de uma vida direcionada a mesmice ou ao autoritarismo. A importância no Nuberu Bagu era momentos, pequenas crises, que seriam desenvolvidas ao longo, porém não cabiam a eles dar uma resposta, como disse, é o registro de uma intensidade, própria dessa geração que buscava transformações, isso começa mais ou menos na década de 50 e tem um grande ápice, ao meu ver, na década de 60, com a grande fase do Nagisa Ōshima realizando obras como "Juventude Desenfreada" e "Noite e Neblina no Japão", ambos de 1960.

Sabemos que o Japão é um país super conservador, agora, meu amigo, pense nessa época, pós-guerra, o medo e cautela espalhado em todos os cantos, enfim, o negócio não deveria ser muito agradável aos jovens que, como todos, tinham seus próprios problemas para resolver, os mesmos já nasciam em berços da autoridade. Se pegarmos um mestre como o Nagisa Oshima, ele nasceu em 1932, então o cara viu todas as transformações possíveis do seus país e, em seguida, realizaria trabalhos extremamente provocantes, bem é realmente um diretor a se conhecer.

"Paixão Juvenil" ou "Kurutta Kajitsu" é de 1956, dirigido por um outro mestre chamado Kô Nakahira, o filme conta a história de dois irmãos que, após conhecer uma garota em uma estação, ambos se apaixonam pela mesma e vão competir um com ou outro por momentos com a menina. Descobrimos ao longo que ela é casada e não está interessada em envolvimentos sérios, constrói-se então um triângulo amoroso onde, de fato, a personagem feminina se revela a grande "vilã". Isso entre aspas, pois não temos uma estrutura narrativa que seleciona quem é o vilão ou quem é o herói, todos são bem desinteressados e/ou bobos e arrogantes. O papel da mulher nesse filme é uma revolução, eu diria, pois se mostra oposta a figura feminina que o Japão criava em seus filmes, aquelas mulheres indefesas e frágeis. Aqui temos uma mulher que possui em seus ombros uma liberdade fora do comum, chegando ao ponto de usar os homens, devorá-los, utilizando como isca a sua carinha de boazinha/frágil e a sua beleza. Aliás, a pele é deveras explorado aqui, digo, o corpo, o toque, há cenas incrivelmente eróticas para época. Permeia o tempo todo um grau interessante de erotismo e um climão noir. É uma dose completa de ótimo cinema. Assisti com minha irmã de 10 anos - talvez uma exploração infantil? - e até ela curtiu bastante.

Há em em todos os cantos dessa belíssima obra, uma efervescência do jovem, se desprendendo de uma vida pacata em busca do seu próprio prazer, é recorrente nesse cinema de auto-nível os conflitos, pois, em meio a essas mudanças drásticas de comportamento, o amor, a paixão, servem como elementos secundários. O bom da vida e da arte é experimentar registros atemporais que, para serem realizados, dependeram de um tempo certo, cabendo a nós, espectadores, uma contextualização para que, assim, possamos desfrutar tanto a excelente ideia como, também, da audácia dessas obras.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

A Ponte, 2006 - Uma reflexão sobre suicídio


As vezes me pego pensando qual é o limite da arte, até que ponto o documentário, por exemplo, não se torna uma invasão? Há uma necessidade de exploração de temas, filmar é muito fácil hoje em dia, então não existe, eu diria, nada particular hoje em dia, o registro pode ser feito e, em mãos erradas, se transformar em armas contra a moral, ou ferramentas de vingança, no mesmo tempo, existe aquelas pessoas que fazem coisas que qualquer um poderia fazer, mas nunca teria coragem e/ou capacidade de mostrar. O documentário resgata muito a ousadia, eu diria, se sustentado por um ponto de vista - dependendo do conteúdo ele pode tentar induzir isso na cabeça do espectador - mas, no documentário "A Ponte", de 2006, isso não está muito presente, a proposta é ser indiferente, perante as particularidades de atos suicidas, os quais, ao meu ver, possuem um alto grau de arte. 

Bem, eu já pensei em me matar diversas vezes, mas quando só se pensa, é uma coisa. O problema é quando o pensamento se torna um objetivo, aqui tento explicar, a ideia de se matar ultrapassa a sua intenção para com o futuro, você começa a analisar toda sua vida, o pensamento da morte acaba, consecutivamente, te matando. O que realmente deve ser a pior parte, há alguma coisa tampando a sua visão. A vida perde a graça, mas não é brincadeirinha, se cortar, se castigar, é não ver sentido algum, como se a vida fosse um show, do qual você não foi convidado e, se foi, foi por engano. As dores do vazio são motivados, claro, por algum motivo, porém o estar perdido não escolhe uma razão, então você olha para o lado, vê muito mais sofrimento e se acha injusto, se acha fraco, aliás, talvez seja, não quero generalizar, falo em base ao que eu sentia. Aliás, é um sentimento muito recente, então é sempre muito difícil colocar em palavras essa aflição terrível chamada perda. Perdemos a vontade de nos olhar no espelho, a realidade não é mais um bom lugar para se viver, o amor não é o suficiente.

Porém! Há uma certa glamourização do suicídio, como se ele, por si só, fosse um grande espetáculo individual, o documentário chega a citar isso, inclusive, é tentador, um tanto quanto viciante, a ideia ou projeção da vida sem você, ainda mais quando você se acha um verme, não por se achar o centro, talvez realmente todo suicida é egocêntrico, mas eu acredito em dúvidas. A vida é estranha, se você tira o sorriso, a diversão, os amigos, as experiências, o que sobra de bom? Quando não se tem ânimo para nada, você começa a ver a essência da coisa toda, o universo se despe na sua frente e, a partir dai, é cair na toca do coelho, aliás, esse buraco não tem fim até que... BOOM! Você dorme para sempre. No meu caso, cético quanto a eternidade ao lado do papai do céu, ou uma adorável eternidade queimando em um mar de enxofre, nem isso eu podia almejar. Visto que, para mim, depois de morrer >> TUDO PRETO.

Hoje me vejo tentando utilizar a melancolia da forma que, meus grandes ídolos conseguiram/conseguem: Fazendo piada, expressando. Busco formas de esquecer a mim mesmo, esquecer meus sentimentos, me usar como ferramenta para fazer feliz quem eu puder, ou passar algo, ou ajudar pessoas que estão na mesma situação que eu estive - sim, já aconteceu de encontrar pessoas assim, mais de uma vez - então minha relação com a depressão virou uma espécie de amizade desconfiada. Eu não confio nela, ela não confia em mim, enfim, temos uma personalidade bem cafajeste, mas ambos somos professores, e eu, na maior humildade, tento mostrar para as pessoas que, se não fosse a vida, nem oportunidade para sentir a perda você teria, há sempre algum motivo. E, nessa questão, a arte é minha bíblia. Nunca escrevo apenas sobre cinema, escrevo sobre todos nós, até porque eu não entendo cinema, o cinema não é uma escolha minha, eu fui escolhido por ele.

O documentário "The Bridge", então, se desenvolve em base a filmagens feitas, por um ano, da ponte Golden Gate, em São Francisco, inicialmente com a desculpa de estar fazendo um documentário sobre engenharia, a intenção na verdade era filmar 24h por dia a ponte, afim de registrar suicídios, visto que a ponte atrai muitas pessoas que querem se matar. Eric Steel e sua equipe partem, então, para depoimentos dos familiares das pessoas que se suicidaram, os quais, para minha surpresa, se mostram muito maduros diante a essa horrível situação, muito por conta de conhecerem muito bem os suicidasse, sendo assim, sabiam que era questão de tempo. 

Mesmo com os corpos atirados nas águas, eu diria que o mais incômodo são os momentos que antecedem a ação, aquele andar de um lado para o outro, parece que você sente o desespero ou, quem sabe, alívio existente ali, mesmo que estejamos diante uma arte irreversível, apenas da magnitude ao fechar os olhos, há um para sempre de nada. Só lembranças, ao mesmo tempo que a eternidade, então é realmente muito complexo julgar. Confesso que me identifiquei com Gene, um dos relatos/registros, não só pelo rock estar vinculado a imagem, como sentir, de alguma forma, que esse ser humano foi, de fato, o que mais teve dúvidas, até que, na última e mais impactante cena, ele sobre na grade de costas, braços abertos, como se estive crucificado mesmo, e se lança de costas, no tempo que temos uma narração que diz "talvez ele só quisesse voar".

“O que estou tentando dizer, é que não queria que ele se sentisse numa gaiola dentro de si próprio. Dizem que o corpo é um templo, mas ele achava que seu corpo era uma prisão. Nos seus pensamentos... Ele sabia que era amado, sabia que tinha tudo, que podia fazer tudo, mas mesmo assim, sentia-se preso. E aquela foi a única forma de ser livre.”

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