terça-feira, 14 de outubro de 2014

Sem Amanhã, 1939



Gosto muito de assistir filmes antigos, pois sou forçado a um exercício de contextualização muito grande, ainda mais com obras que abordam, de alguma maneira, um tema controverso, pois é uma forma interessante de analisar as diferenças, comparando-as com o nosso presente.
Essa ideia de contexto se faz presente em qualquer análise de algo histórico, arte ou não, e está vinculado não só com o comportamento, como objetos, figurino e até mesmo atitudes tomadas pelos personagens. 

"Sem Amanhã" ou "Sans lendemain" é um filme francês de 1939, dirigido pelo Max Ophüls que, até então, eu desconhecia, porém encontrei algumas de suas obras e estou preparado para maiores investigações. O filme conta a história de uma mulher que, após um casamento fracassado se vê desesperada a ponto de trabalhar em uma boate ou bordel, dançando nua para os clientes. Ela se expõe tanto para, principalmente, criar o seu jovem filho. Ela começa, então, a questionar sua vida, quando uma antiga paixão chega por acaso em Paris, de forma que ela se relembre da sua vida e imagem, não reconhecendo-a mais. É então que ela faz de tudo para sustentar uma antiga mentira a sua antiga paixão, ocultando a sua nova vida.

O citado exercício de contextualização se dá logo no início pois a nudez a qual me referi na sinopse são mulheres dançando com os seios a mostra. Algo que me soa bem mais inocente que vários vídeos no youtube que temos hoje de meninas dançando funk. Tá, fugindo um pouco do filme, mas nunca esquecendo-o completamente, é estranho de se pensar nessa transformação que tivemos do que pode ser considerado um trabalho sujo. A personagem principal se questiona do seu valor, imagina, se assistirmos esse filme com os olhos do século XXI, não faríamos nada além de dar muita risada. O casamento e a criação de um filho, sendo uma mãe solteira, também são dois pontos diferentes da nossa realidade atual.

Eu fico triste com esses filmes "perdidos", queria saber um pouco mais do seu impacto na época, é de se imaginar que foi grande na época, a década de trinta é marcada, também, pelo conservadorismo tanto no meio social quanto na arte, no cinema. Aqui temos uma mulher forte, destinada, que mente para não revelar suas atitudes, como se estivesse a margem da sociedade o que, evidentemente, é verdade. Muitos momentos do filme se referem a ela como uma boa pessoa, mesmo trabalhando no que trabalha. Salve alguns amigos dela, que a faz lembrar que, apesar de estar nesse meio, ela é uma pessoa diferente. Um exemplo disso seria quando ela fala sobre sua antiga paixão "ele não sabe o que eu faço." enquanto tem como resposta "Você vive e cria o seu filho", um comentário extremamente feliz que reflete nos tempos atuais, onde muitas mulheres são sujeitas a mais baixa função da sociedade para manter de pé a sua família, e não estou falando necessariamente da prostituição.

Não vejo esse como um filme polêmico ou algo do tipo, muito menos uma obra extremamente necessária, mas tem sim os seus pontos, no mínimo, interessantes. Lidando com um tema difícil, em uma época também muito complicada. Poderia sintetizar o filme na cena em que, após alugar uma mansão para sustentar a sua mentira, ela olha no espelho e fala "Dá para imaginar que estou aqui" e seu amigo retruca "essa é você, e a do bar é uma mentira". No fim ela é uma criação de uma péssima escolha do passado, uma mentira que, por mais que a doa, tem que continuar vivendo para criar a sua criação, ou seja, seu doce filho.

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