quinta-feira, 5 de março de 2015

Noite Vazia, 1964


O Cronologia do Acaso surge como extensão do meu fascínio por pesquisar cinema, creio que, como eu, muitas pessoas estão cansadas de assistir o mesmo e, eventualmente, acabam se deparando com algo totalmente novo e inesperado, talvez um filme da Bósnia, ou China, enfim, a arte audiovisual é incrível, uma jornada rápida e interminável através de países, estilos e culturas, já comentei muitos filmes, muitos deles de diversos países, então hoje voltarei meus olhos - espero que motive vocês também - para o nosso país. 

Quem já ouviu dizer que a Xuxa começou sua carreira fazendo um filme que transava com um garoto? Pois bem, todo mundo fala isso, mas poucos assistiram, de fato. Estou ressaltando isso por dois motivos, o primeiro é que quando se fala do cinema nacional, o povo começa a fazer caretas, dizer que só tem putaria ou, pior, que só existe a globo filmes, ai o ser humano começa a se passar por pseudo e fala que detesta o nosso cinema porque não gosta dessa tal produtora, que mais parece uma maldição para mim. Como disse acima, o argumento "só tem putaria" também é escrota, fala da pornochanchada como se fosse uma imundice, o que pesquisando só um pouquinho, veremos que é completamente ao contrário, claro que há coisas ridículas mas, muitas realizações, são o puro exemplo de ousadia em momentos de repreensão. Aliás, muitas histórias ultrapassam o limite do sexo e se utilizam disso para fazer críticas, enfim, realizar um bom filme. Espero em breve escrever um pouco mais sobre isso, pois estou fugindo bastante do tema. 
Citei o tal filme da Xuxa, pois ele é dirigido por WALTER HUGO KHOURI, diretor também da obra-prima "Noite Vazia".

Ouvi de um amigo tempos atrás que WALTER HUGO KHOURI era o Ingmar Bergman brasileiro, até então não conhecia o seu trabalho e achei estranho a comparação. O que raios esse cara tinha feito para ser comparado ao Bergman? Só então assisti alguns de seus filmes, incluindo esse que vou comentar, e percebi que, realmente, há razões para a comparação, mas não precisa necessariamente delas para se certificar que Walter é um diretor excelente, um dos maiores nomes do nosso cinema.
Suas obras tem a incomunicabilidade como tema central, uma pitada de existencialismo, sexualidade apurada, enfim, só dar uma olhada na grade de atores - principalmente atrizes - que trabalharam com ele, sem dúvida era um realizador que era sinônimo de entrega.

Noite Vazia, 1964,  é um clássico incontestável do cinema brasileiro, para mim um dos melhores filmes, senão o melhor. Isso se deve, entre muitas coisas, pela reunião de talestos que acontece. Só pode ser um milagre audiovisual. Vou tentar resumir esse elenco, no mesmo tempo tentar não perder a respiração porque, sério, é motivo de alegria!
Tem Gabriele Tinti, galã italiano, excelente ator, fez vários "Emmanuelles" da vida depois desse filme, mas já trabalhou em muita coisa boa, inclusive participação em um filme do Mario bava, um dos maiores diretores do cinema de terror Italiano. Ele foi casado com a querida Norma Bengell, uma atriz que dedicou sua vida ao cinema, fez a primeira cena de nu frontal do nosso cinema no filme "Os cafajestes", depois virou diretora, terminou sua vida, infelizmente, no esquecimento. Considerada por muitos, e por mim, como a Brigitte Bardot brasileira. Ao lado dela temos também outra lenda, a atriz Odete Lara - faleceu há pouco tempo. Por fim, talvez o menos badalado, o ator Mário Benvenutti, que fez pérolas da pornochanchada como "Macho e Fêmea", de 74, dirigido pelo Ody Fraga.
Minha primeira dica é essa, pesquisem esse submundo do cinema autoral, principalmente esse diretor e as atrizes, que respiraram cinema até a morte. Em um país dominado pelas novelas, elas se recusaram até o último momento, levando o Brasil para frente, a importância que eles tiveram é enorme, vale a pena pesquisar sobre o trabalho dessa trinca maravilhosa.

Noite Vazia, 1964, conta a história de dois amigos Nelson e Luiz, ambos tem o costume de sair a noite e pagar algumas prostitutas, afim de buscar pelo prazer e preencher seus vazios. Luiz é bastante rico e tem uma família, mesmo assim influência o amigo para adentrar cada vez mais nessa vida boêmia. Acompanhamos uma noite desses dois, onde esperam por mulheres maravilhosas, por acaso encontram Mara e Regina, vão para um quarto e nada sai como o esperado. Apesar da tentativa de divertimento, ambos se sentem extremamente perdidos, o sexo não é o suficiente. Pouco a pouco, através de nuances, eles vão revelando suas angústias, assim como seus sentimentos mais profundos.

É impossível analisar esse filme da forma normal, é repleto de significados. Desde o sexo, passando pela prostituição, enfim, o diretor desconstrói a imagem do homem devorador, essa máscara vai caindo ao ponto de estabelecer as duas mulheres como verdadeiras sábias. Elas lidam com as fraquezas de seus respectivos parceiros para bem próprio, assim como, aos poucos, aquela relação de interesses dá algum espaço para compreensão, principalmente da Regina com o Nelson. É evidente que se constrói um sentimento dela para com o rapaz, se identificando, talvez, com aquela tristeza de seus olhos claros.

Voltamos ao ano do filme, 1964, o país passava por plenas mudanças, quando aparece uma pérola ousando dessa forma, falando sobre tabus, enfim, é extremamente poderoso. Mostra uma vida em São Paulo como poucas vezes visto. No fim, ele fala sobre problemas atemporais, ligados a existência do homem, como o uso e desapego. Temos um homem tratando mulheres como números, tem que pagar para se sentir dominador, enquanto na sua realidade é um escravo da rotina. A sua diversão é se imaginar diferente, ter poder sobre o corpo, fica claro isso com a frase "com dinheiro a gente pode fingir que se diverte". 

Sob influências do Antonioni, desenvolvendo personagens complexos, envoltos de uma beleza visual, além de atuações incríveis, principalmente por parte da Odete Lara e Norma Bengell, "Noite Vazia" faz jus ao título, acompanhamos essa noite paralisados, diante a tamanha frieza, relatando uma tentativa de fuga, a qual nunca parece ser o suficiente. Tenho certeza que se esse filme fosse Europeu, ele seria creditado como um dos melhores, como não é, acaba sendo mais uma obra de arte a se descobrir. 

"- Não é por você, eu não me sinto bem em lugar algum, com ninguém. - É só isso que você tem pra me dizer? - Eu estou tentando ser sincero. cansei de fingir pra todo mundo."

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