Quando tudo se complica, Deus faz chover
No melhor ou pior momento das nossas vidas só uma coisa é
certo: Nós aprendemos. Talvez seja exatamente essa a razão – se é que há alguma
– para nossa existência. Sempre me senti muito próximo do estranho, cresci
assistindo “Edward Mãos de Tesoura” e aquela situação de novidade que tanto
assustava o personagem principal sempre me encantou muito. Hoje vejo que isso
se dava pela palavra, hoje tão utilizada e, no mesmo tempo tão bonita chamada:
Identificação.
É estranho pensar que é possível se identificar com um
monstro, objeto ou animal. Pensando bem, esse é o papel da arte... Aliás, o que
será que é arte? Não sei dizer, mas eu sinto. Assim como sentia o poder que o
audiovisual tinha sobre a minha vida muito antes de entender o porquê.
Cresci em uma época – ou lugar – muito boa. Onde tudo o que
você assistia, jogava ou lia era compartilhado com os amiguinhos na escola no
dia seguinte. Uma pena que as coisas hoje em dia mudaram um pouco, mas veja o
nosso alcance! Não é fantástico? Agora com a internet podemos compartilhar
aquilo que gostamos e tornamo-nos seres identificáveis, apesar da
distância.
O tempo passa, coisas acontecem e, a partir de um certo
momento – infelizmente não tem como controlar isso – nós crescemos, seja por
causa da idade ou responsabilidades. O mais interessante é que a informação e o
sentimento passa a ter um outro propósito na sua vida: Te fazer um homem. Foi
nesse exato momento da minha inútil, linda e eterna passagem pelo mundo que compreendi
o cinema... Ou melhor, compreendi a mim mesmo.
Magnólia
“Talvez já passamos pelo passado mas o passado não passou por nós”
Com treze anos assisti um filme chamado “Magnólia”. Costumo
dizer que tudo tem um momento certo e, apesar de achar que eu fui um pouco
precoce, acredito que essa experiência me ajudou a enxergar as coisas de uma
maneira diferente, mesmo que o meu redor dite o contrário. Como um pai ensina um filho a jogar bola,
Paul Thomas Anderson me ensinou a amar, me amar.
Muitos filmes contam a história de uma longa vida, poucos
contam a história de um momento. Muitos mostram um só personagem e sua
caminhada ao sucesso, mas poucos mostram o homem e sua origem. Sendo assim, o ponto crucial de Magnólia está
na sua sinceridade perante as eternas crianças que o assistem. Crianças que,
assim como os adultos, tentam incansavelmente encontrar o amor, se encontrar.
“Eu tenho muito amor
para dar, só não sei onde colocar” – Frase
do Donnie Smith, personagem interpretado pelo William H. Macy
Começamos com o narrador. Ele nos apresenta três histórias
que mesmo sendo tão fantástica, é estranhamente muito real, principalmente na
sua mensagem. O fato é que ele abre uma
discussão sobre o que é coincidência. E, para aqueles que
teimam em continuarem céticos, o narrador os convida para assistir uma grande
história/verdade de 188 minutos onde será abordado o amor, destino e,
principalmente, arrependimento.
Depois disso, como uma flor desabrochando delicadamente,
vamos conhecendo cada personagem de uma forma que se cria um elo entre todos
desde o início. Fazendo com que absolutamente todas as cenas sejam um fragmento
de uma só mensagem. Todos os personagens tem um mesmo propósito, criando-se
também uma linda conexão com as músicas da cantora Aimee Mann.
“Um é o
número mais solitário” – “One”
Eis que surge um personagem que resume em um espetáculo para
homens, toda a primitividade que nos cerca. Representando então, a essência.
“Respeitem o
pênis e domem a vagina! Homens nasceram para comandar: É biológico, antropológico
e animal” – Frank T. J.
Mackey
Isso mesmo, homens desprezam, usam, não choram... Não? Mas
veja que ironia, o próprio T. J. Mackey termina o filme chorando, em uma cena
de desabafo, tanto do homem quanto do universo. Sapos?!
Seja Claudia Gator e seu vício, Linda Partridge e sua culpa,
Jim Kurring e sua bondade, Phil Parma e sua paciência, Jimmy Gator e sua doença
ou Earl Partridge e sua morte, todos estão juntos. Não há respostas, não existe
nada além de, simplesmente, existir. E, para fazer o bem, tanto para sí próprio
como para o outro, basta compartilhar.
O filme termina, não por
acaso, com um sorriso, esperança. Se uma menina que fora violentada pelo
pai tem a chance de sorrir novamente, então nós também temos.
“...Como Peter Pan, ou como o Super-homem
Você aparece... para me
salvar.
Venha e me salve
Se você puder, salve-me,
Do grupo dos esquisitos,
Que suspeitam que nunca irão
amar ninguém...” - Save-me
Em um tempo onde eu questionava muito as ausências que
existiam em minha vida, P. T. Anderson
me deu de presente uma oportunidade. Dizem que algumas coisas acontecem
independente das suas ações, mas, quando penso nisso, e lembro do quão leve e
sincero foi os meus primeiros contatos com o cinema, e da forma que ele me salvou, sinto que tudo
o que nós vemos ou fazemos em nossa vida, nos transforma de alguma maneira.
Esse é o propósito da vida, e, claro, esse é o objetivo da arte.